sábado, 21 de novembro de 2015

Ciência e Experiência. Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel. Moura Barbosa. «… logo se suspeita que a aplicação de um instrumento não deixe a Coisa tal como é para si, traga conformação e alteração…»

Cortesia de wikipedia

«(…) No meio dessas mudanças ocorridas na modernidade, a própria experiência do homem frente ao mundo mudou, passando a possuir um delineamento a partir das ciências da natureza, tendo como fonte o conhecimento matemático e calculado. Esse novo proceder na experiência moderna, cujo cálculo passou a ser uma ferramenta fundamental ao campo investigativo dos fenómenos naturais, possibilitou que essa experiência pudesse ser apreendida e reproduzida em condições previstas pelo próprio pesquisador, tornando-se assim uma experiência previsível pela forma metodológica de seu procedimento. Tal proceder guiou as ciências da natureza por seu tactear até atingir o modelo para seu saber experimental válido. Assim, as ciências firmaram o seu modo experimental como meio para atingir seu objecto (a natureza) e, como seu senhor, juiz e inquiridor, estabelecer o que é a verdade em seu conhecimento. Com base nessa experiência (ou experimentum), em que a matemática e a física (matemática aplicada) estabeleceram-se como parâmetros formais para a verdade, a filosofia tomou emprestado de tais ciências o seu método procedimental, fixando procedimentos matemáticos como o seu próprio proceder. A matemática, que constitui seus objectos numa universalidade formal, de um lado, passa então a tornar-se parte integrante essencial do método filosófico, em que deveria usar a forma de demonstração axiomática como forma ideal, na exposição de seus objectos metafísicos (como o more geométrico do sistema espinosano); de outro, exige o estabelecimento duma necessidade de elaboração epistémica que pudesse sustentar e justificar os seus conhecimentos (matemáticos) sobre a natureza (principalmente em Kant). Tal laboração seria a teoria do conhecimento, para analisar criticamente a real capacidade de conhecimento humano. Tal problema do conhecimento se tornou, pois, algo essencial na modernidade.

Experiência e o problema do conhecimento
A filosofia moderna estabeleceu-se sobre uma posição epistémica segundo a qual o conhecimento deveria ser investigado previamente, constituindo, segundo Hegel, uma preocupação por um conhecimento acerca do próprio conhecer, antes de abordar a Coisa mesma (Sache selbst), ou seja, o conhecimento efectivo do que é, em verdade. Para tanto, estabelece propedêuticas e organa para um conhecimento correcto do real. Tal procedimento conferiu de uma parte um cuidado cartesiano com o exame do meio de conhecimento, ou mesmo ainda a mediação crítica dos limites da faculdade de conhecer da ciência já constituída. Com isso, nesse proceder, tem-se um saber prévio ao saber, como se a capacidade de conhecer fosse um instrumento, logo se suspeita que a aplicação de um instrumento não deixe a Coisa tal como é para si, traga conformação e alteração. Então, se se retirar do conhecimento essa alteração, teria a coisa em sua verdade; mesmo assim, ainda se estaria onde se começou, ou seja, possui-se o conhecimento, mas não o teria, como se a capacidade de conhecer fosse um recipiente vazio, em que o conhecimento fosse armazenado, igual a um pássaro capturado numa gaiola. Outra forma seria um saber que se pergunta por um meio passivo entre o sapiente e o que é sabido; um meio refractário que alteraria a própria coisa (argumento físico que pode ser utilizado para explicar a percepção sensível que se tem das coisas, a qual depende do meio físico em que ela se mostra, assim, meios distintos alterariam as coisas, exemplo: um graveto entre a água e o ar tem a aparência de estar quebrado). Para Hegel, conhecer as leis que regem tal meio não nos garante o conhecimento da coisa, mas apenas de um recipiente estático. Deste modo, se se descontar o meio pelas leis da reflexão do raio, nada foi de facto conhecido. Em todos os casos, tanto no primeiro, quanto no segundo, trata-se de uma abstracção do saber sobre si mesmo, como se o Absoluto já não estivesse desde sempre próximo a nós, através de um meio (Medium) para todo o conhecimento, o que constitui, de facto, o que se denomina de Teoria do Conhecimento». In Alexandre Moura Barbosa, Ciência e Experiência, Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel, Editora Universitária, Edipucrs, Porto Alegre, 2010, ISBN 978-85-7430-970-5.

Cortesia de EUniversitária/JDACT