sábado, 26 de setembro de 2015

O Vaticano contra Cristo. Religiões. Tradução de José A. Neto. I Millenari. «Um mundo feito de rivalidades, cuja escala hierárquica se realiza suavemente com verdadeiras batalhas, às cotoveladas, sem excluir os golpes. Os predestinados para os primeiros níveis superiores»

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Os Pilares da Igreja
«(…) Após o esqui do papa no monte Adamello, alguns da cúria rezaram assim: … concede-nos, Senhor, a nós pobres filhos de Adão, voltar a descer comodamente o Adamello em direcção a todas as metas desejadas. Ámen e assim se esquia. Sem um sistema democrático onde exista oposição, a crítica tem um papel não facilmente controlável. Não é aceite mas é observada, não obstante o risco que implica para a dignidade pessoal, na base e no topo. É o preço que qualquer monarquia absoluta tem de pagar quando as liberdades e os modos de proceder no interior do próprio meio são calcados. O que se vive na dor é transformado numa comédia, com gozos satíricos e perdões de maledicências.

Mors Tua Vita Mea
(A tua morte é a minha vida)
No Vaticano, como noutros lugares, há os que dão caça desapiedada a irmãos monsenhores, com maldade e prazer sádicos em humilhar os antagonistas, porque mors tua vita mea. O arrivista ávido que quer queimar etapas, no momento em que esbarra com um concorrente que se vangloria de mais apoios, considera-se com as asas cortadas. Assim diminuído, começam a flanar à sua volta para lhe fazer a cama. Diz-se que o cardeal Domenico Svampa respondeu a um carreirista que lhe perguntava como fazer para subir: … quer-se inteligência e um diabo que te carregue! E o pretendente respondeu-lhe: … Eminência, eu disponho de inteligência, e o senhor dispõe do diabo que me carrega.
Oitenta por cento do pessoal em serviço resigna-se ao pensamento de não poder atingir as metas dos privilegiados; permanecem abandonados no anonimato do formigueiro. São esses, exactarnente, os abandonados pelos ardilosos, ou, pelo menos, colocados na salmoura da expectativa, aspirantes em permanente aspiração: um conjunto de resmungões de mau humor.
Os outros vinte por cento encaixa no desfiladeiro da subida ao poder, a passo de caracol, considerando-se parte eleita, sacerdócio real, conquistadores. Todavia, estes felizardos em ascensão para a liderança da Igreja, para eliminar o adversário na competição, têm necessariamente de jogar cartas encobertas até ao fim. O aspirante, à medida que se avizinhado horizonte ambicionado, refina a sua metodologia de competitividade, mistificando simultaneamente a manha, a humildade interesseira, a hipocrisia e a humildade exterior. Um mundo feito de rivalidades, cuja escala hierárquica se realiza suavemente com verdadeiras batalhas, às cotoveladas, sem excluir os golpes. Os predestinados para os primeiros níveis superiores, os que sobem a rampa, os favorecidos pela cunha oportuna do protector carismático, os pretendentes ao topo mais alto possível, são obviamente poucos e apropriam-se dos méritos dos outros atribuindo-os com desenvoltura a si próprios. Não é para eles o que o Espírito Santo deixou escrito: Não procuremos a vanglória, provocando-nos e invejando-nos uns aos outros.
Dizia V. Bukovsky: ali não haverá guerra mas haverá sempre uma tal luta pela paz que, no fim, não ficará pedra sobre pedra. Se, neste caso, se entende paz como uma arriscada dissimulação, o quietismo será uma lâmina afiada que impõe tributos à consciência e à capacidade do subalterno da cúria, comprometido na liberdade de se gerir. A indiferença do ambiente não concede espaço a gestos de solidariedade com quem sofre prepotências e discriminações. Uma espessa multidão de puritanos e cortesãos está atenta para evitar os irmãos aos quais se apontam indícios de suspeita; então, o isolamento discrimina-os e o silêncio à sua volta torna-se grave e pesado.
Quando se quer isolar alguém começa por se fazer terra queimada à sua volta e a convivência com esse alguém torna-se difícil e sufocante. Sopra um vento ligeiro, na folhagem, que ofende a dignidade da pessoa, comprimida como que por um imponderável oculto. Toma corpo uma sensação de voragem que o engole no alienante santuário da indiferença dos colegas, semelhante a uma lapidação interior, sem poupar golpes, uma intinfada, por culpas que passam em julgado sem ser provadas. Qualquer coisa começa, então, a ceder dentro deles, surgindo frustrações, suspeitando das suas próprias capacidades e de debilidades psicofísicas; começa a acusar-se de que a sua é uma pretensão nos limites da presunção e da insubordinação. Persuade-se de que está constituído em estado de fragilidade». In I Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN 972-46-1170-1.

Cortesia CLetras/JDACT