sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O Bibliotecário. A Biblioteca Perdida. AM Dean. «Aquele indisciplinado não só o tratara com rudeza como lhe havia torcido o pulso. Fora de si, puxou as mãos contra o peito e esfregou-as para aliviar a dor. Enquanto girava na cadeira…»

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«(…) Os estranhos calafrios que tinham percorrido o corpo de Emily foram substituídos por pele de galinha. Um homicídio em Carleton College era algo inaudito, mas o assassínio de um colega... A notícia deixou-a assustada e em choque. Foi perseguido pelo corredor, acrescentou Aileen. Havia sangue no exterior do gabinete. Não vi o interior. A sua voz tremeu; olhou para Emily. Não deste conta que a polícia andava pelo campus? Emily, ficou paralisada com a novidade. Havia reparado nas viaturas da polícia quando estacionara o carro antes das aulas da manhã, mas não lhes dera importância. As forças da ordem não eram uma presença invulgar ali. Não tinha ideia de que era por isso. Emilv fez uma pausa antes de indagar: porquê o Arno? Não lhe ocorria que outra coisa perguntar. Não é essa questão que me preocupa, retorquiu Emma Ericksen, a colega de Emil-v em História das Religiões. E o que te preocupa?, quis saber Emily. Se atacaram e assassinaram um dos nossos colegas aqui, no campus, então quem é o próximo?

No exterior da sala de reuniões identificada como 26 H, Burton Gifford entregou a pasta de couro a um empregado e lançou-lhe um olhar que deixava claro o seu desejo de ficar a sós após a conclusão da reunião matinal. Desviando-se enquanto os restantes homens abandonavam a sala e percorriam o corredor em direcção à saída, ignorou os numerosos autocolantes de proibido fumar e sacou de um Pall Mall sem filtro de uma cigarreira que trazia no bolso superior do casaco e acendeu-o. Pertenceu à comissão consultiva de política externa do presidente durante os dois anos em que este havia permanecido no poder, sendo um leal apoiante do seu trabalho no Médio Oriente, apesar de o homem no comando não partilhar do seu desejo de que se mostrasse mais agressivo, que negociasse mais a reconstrução do pós-guerra. Tinha-se transformado num dos assessores mais influentes, levando a cabo tarefas políticas e assegurando que o presidente distinguia amigos de inimigos. Gifford vinha do mundo dos negócios, e os negócios não eram senão um mundo de contactos. Gostava de pensar que o presidente estava bem relacionado, ou menos bem relacionado, graças à sua sabedoria e influência. E não estava de todo errado. Ele era o tipo que facilitava os contactos, e o presidente a voz moral que depois os seleccionava.
Um homem chamado Cole permanecia imóvel nas sombras. O seu rosto invisível esboçava desprezo pelo corpulento e influente intermediário político, um homem poderoso de muitos contactos cujo aspecto evocava a imagem de um gato gordo. Estava inchado fisicamente e na sua vaidade. Nada mais existia senão aquilo que fosse relevante para os seus próprios desígnios. Era um defeito pelo qual pagaria, hoje mesmo. Gifford deu uma longa passa no corredor vazio, a beata meio fumada a pender dos seus lábios enquanto usava ambas as mãos para compor o casaco. Cole escolheu esse momento para sair de um gabinete situado do outro lado do corredor e assim aproveitar a distracção e a posição vulnerável daquele homem. Agarrou-o pelos pulsos e, com um movimento único e suave, arrastou-o de volta para a sala de reuniões. Que diabo está a fazer?, inquiriu Gifford, perplexo, deixando cair o cigarro dos lábios.
Não faça barulho e isto será mais fácil, replicou Cole. Manteve o sujeito preso com a mão esquerda enquanto com a direita fechava tranquilamente a porta atrás deles. E agora sente-se. Atirou o homem para uma das cadeiras recentemente desocupadas e situada em redor da enorme mesa de reuniões. Gifford estava indignado. Aquele indisciplinado não só o tratara com rudeza como lhe havia torcido o pulso. Fora de si, puxou as mãos contra o peito e esfregou-as para aliviar a dor. Enquanto girava na cadeira para encarar o seu atacante, pôs-se a arengar: aviso-o já, caro jovem, que não sou o tipo de pessoa que fica sentada e aceita este… Abandonou o discurso retórico a meio quando deu a volta por completo e conseguiu ver as mãos do seu agressor, que acabava de enroscar o silenciador a uma Glock 32 de calibre .357 SIG. Sei perfeitamente quem você é, senhor Gifford ,replicou Cole sem se dar ao trabalho de levantar a cabeça. É por isso que estou aqui.
A cólera condescendente e a sensação de superioridade de Gifford foram substituídas pelo terror e pela impotência. O que..., o que quer?, indagou sem tirar os olhos da arma. Este momento, respondeu Cole, que destravou a arma mal colocou o silenciador. Este momento é tudo o que desejo. Não entendo, proferiu Gifford, horrorizado, empurrando instintivamente a cadeira para trás, como se assim conseguisse alguma protecção contra a ameaça que tinha diante de si. O que quer…, de mim? Apenas isto, respondeu Cole. Não quero nada mais. Não se trata de um interrogatório nem de um rapto. Então, do que se trata? Cole ergueu por fim o olhar e fixou-o nos olhos aterrados de Burton Gifford. É o fim. Não..., não entendo. Sim, já imaginava que não ia compreender, declarou Cole, e disparou três balas ao coração de Gifford, que acabaram com a conversa. O ombro direito de Cole suportou o recuo da pistola e os disparos abafados pelo silenciador ecoaram ligeiramente na enorme sala. Gifford ficou de boca aberta ao ver o rasto de fumo sair do cano da arma donde foram disparadas as três balas que se encontravam alojadas na parte superior do seu corpo. Abateu-se sobre a cadeira quando o sangue começou a escorrer das feridas do peito e das costas. Cole viu-o exalar o último suspiro e desapareceu nas sombras». In A. M. Dean, O Bibliotecário, A Biblioteca Perdida, 2012, tradução de Dina Antunes, Clube dos Livros, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-724-124-6.

Cortesia de CAutor/JDACT