terça-feira, 22 de setembro de 2015

Confissões de uma Freira Pagã. Kate Horsley. «… mas eu não quero ver extintos estes velhos modos de conhecimento, porque acredito que ainda há valor em reconhecer o espírito na árvore e em perceber como desarmar um inimigo com palavras»

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«(…) Quem ler estes relatos deve pensar que eu sofria do pecado da preguiça e que a minha vocação se limitava a fugir aos tempos difíceis. Mas considerai que para uma pessoa se tornar num druida, tem de se ser instruída durante nove  anos, ao longo dos quais se aprendem duzentas e cinquenta histórias primárias e depois as cem histórias secundárias. Ainda existem escolas druídicas, embora elas estejam profundamente ameaçadas pelos padres cristãos. Deus me perdoe, mas eu não quero ver extintos estes velhos modos de conhecimento, porque acredito que ainda há valor em reconhecer o espírito na árvore e em perceber como desarmar um inimigo com palavras. Em vez de ver concorrência entre a capela e o círculo de pedra, eu vejo uma irmandade. Uma fecha e protege o espírito, o outro expõe-no e junta-o aos elementos. Nestes dois locais conjuramos os poderes que nos afectam e transcendem. Lembramo-nos, em ambos os lugares, que precisamos da nossa aveia e do nosso leite, mas também precisamos daquilo que não conseguimos ver, nem meter nas nossas tigelas de comida.
Enquanto atirava comida aos porcos da minha família e coçava os altos que as pulgas me faziam na pele, eu esperava ser chamada para o conhecimento daquilo que não é visto. Corriam rumores de que eu já possuía certos poderes, como a habilidade de transformar uma pedra em pó ao respirar sobre ela certas palavras, apesar de, agora o confesso, nunca ter tido nada disso. Eu esperava por um dos druidas que assistiam o chefe, para que ele me tomasse como aprendiz, pois eu já tinha chegado à aimsirtogu (a idade da escolha, aos sete anos para rapazes e aos catorze para raparigas). Enquanto esperava, distraia-me com os poderes que as meninas detêm sobre os meninos e que São Patrício e Santo Agostinho consideram ser os pecados responsáveis pela queda de toda a humanidade. Eu já li e transcrevi as regras dos nossos bispos que dizem que as mulheres não devem tentar ser atractivas aos homens, mas devem repudiar as qualidades nelas próprias que causam a perda da Graça no homem. Faz-me confusão que os homens, que reclamam cada vez mais autoridade sobre as mulheres, demonstrem tanto medo daquelas a quem chamam fracas. Talvez eles tenham a esperança de que as mulheres venham a acreditar que precisam de ser protegidas e dominadas. Mas eu não consigo imaginar a mulher a ser assim tão tola. Questiono-me sobre a sedução de Adão por Eva. Talvez esta tenha sido não o resultado da fragilidade moral de Eva, mas sim da sua impaciência e desassossego. Talvez Adão se contentasse e entretesse mais facilmente do que Eva, que queria mais do que uma vida de criança num bonito jardim. Eu não quero blasfemar, mas apenas mostrar urna compreensão das Escrituras com base nos meus próprios defeitos. Desde o tempo do meu primeiro sangramento de mulher, eu sofro de uma impaciência e desassossego que não consigo entender ou curar. Frequentemente eu interrogava-me se não pertenceria à Clareira dos Lunáticos.
Os rapazes que vinham usar o barco do meu pai elogiavam-me os seios, que eram pequenos mas bem arredondados. Os rapazes que vinham usar o barco do meu pai queriam tocar nos meus seios ou fingir mamar. Eu ficava muito confusa com tudo isto até conhecer Giannon, o Druida, e depois as coisas ditas pelos rapazes que vinham usar o barco do meu pai pareciam-me desejáveis e convincentes». In Kate Horsley, Confissões de uma Freira Pagã, tradução de Mariana Pereira, Ésquilo, Lisboa, 2002, ISBN 972-860-518-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT