domingo, 13 de setembro de 2015

A Música Grega entre a Europa e a Ásia. Aires R. Pereira. «… a grande ‘kithara’ de concerto. A kithara tomou a sua forma, no tempo de Cepion, discípulo de Terpandro. Foi designada kithara Asiática, por ser usada pelos músicos de Lesbos que viviam perto da Ásia»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Ao abordarmos os principais problemas que se levantam em torno da música, na cultura grega, verificámos que existe uma longa discussão acerca dos conceitos musicais, ditos como património helénico e outros, que passaram a integrá-lo. Esta integração, chamada helenização, é geralmente acompanhada por longas polémicas que se centram, no caso da música, sobre os ritmos, harmonias, instrumentos e conceitos estéticos. Este tema ocorreu-nos como resultado das investigações que realizámos acerca da Mousiké nas tragédias e de posteriores estudos sobre o sentido do tema nos teóricos musicais do período helenístico. Uma abordagem como esta da cultura grega, tem necessariamente que pressupor como metodologia científica, a interdisciplinariedade entre diversas áreas, como sejam, as ciências musicais, a história, a filologia clássica, a arqueologia, a fonética e a filosofia.
Como nota prévia, devemos desde já deixar claro que os gregos concebiam o mundo dividido em duas partes: a Europa e a Ásia. Hecateu, um historiógrafo, fez mesmo um mapa, no qual dividia o mundo nestas mesmas partes, e Heródoto discute essa divisão, propondo uma outra tripartida: Europa, Ásia e Egipto, na qual a Europa tem a mesma extensão em latitude que a Ásia. Mas o topónimo Europa, surge pela primeira vez no Hino Homérico α Apolo, situada no norte da Grécia por oposição ao Peloponeso. Este Hino é datado, com algumas reservas, do século VI a. C., facto que o coloca como anterior a qualquer outro documento onde se refere a Europa. A partir dele, dá-se um fenómeno semelhante ao conceito de Hélade, que inicialmente estava circunscrita ao Norte e depois, foi alargada ao peloponeso, como se pode ler na IV Nemeia de Píndaro (473 a. C.), na qual se fala da Europa como um território que se foi alargando segundo conceitos culturais, os quais levaram os gregos a diferenciar, por exemplo, entre a cultura dos Persas, na peça homónima de Esquilo e a cultura grega Desta diferenciação faz parte a música, que espelha o pensamento helénico no seu âmago.
Entre as fontes a partir das quais podemos conhecer a música, ressaltam as representações iconográficas em vasos e as alusões em textos literários, além dos estados dos filósofos e dos teóricos musicais. Um dos autores gregos que mais contribuiu para o estudo da música, e, em concreto das inter-relações entre a cultura grega e outras culturas, foi Plutarco. Ε entre os objectos do seu estudo figuram os instrumentos, que são por ele caracterizados pelos materiais que os constituem, pelo som que produzem, pelas funções que desempenham, pela integração no seu contexto próprio, e pela impressão auditiva causada.
É deste modo que se apresenta a grande kithara de concerto. A kithara tomou a sua forma, no tempo de Cepion, discípulo de Terpandro. Foi designada kithara Asiática, por ser usada pelos músicos de Lesbos que viviam perto da Ásia. Este epíteto de Asiático estava de tal forma enraizado na cultura grega, que Estrabão afirma: … toda a música nasceu na Ásia ou na Trácia. Estes epítetos tinham uma grande importância no domínio da música, se considerarmos que a memória e o ouvido estavam por detrás de quase toda a formação musical, de tal modo que era possível referir um instrumento e associar-lhe algumas melodias. Por exemplo, as melodias auléticas não eram executadas por todos os géneros de aulos, mas apenas por alguns. Deste modo, cada melodia estava ligada a um instrumento especificamente, dependendo da sua tessitura e timbre. Os epítetos tinham desde os Poemas Homéricos um fundamento musical, na medida em que ajudavam à identificação, quanto à origem e carácter, de melodias que se repetiam noutros contextos diferentes daqueles de onde eram originárias. A este propósito é significativa a obra de Lord, na qual se enuncia a teoria, de que as frases musicais assentavam em fórmulas que variavam e eram desenvolvidas da tradição oral para a escrita. Assim, a recepção de um poema envolvia alguma transformação mantendo, no entanto, fixo o tema.
Além da kithara, considerada um dos intrumentos paradigmáticos da cultura grega, também teria uma origem não helénica. A variante de lyra com braços longos, produzindo sons graves, é um instrumento dos mais arcaicos, tendo sido Ateneu quem melhor traçou a sua história. Os testimonia, afirmam que Terpandro teria sido o seu inventor. No entanto, Lesky põe justificadas reservas a esta tradição antiga, referindo que recentemente foram descobertas, na sequência de escavações arqueológicas, pinturas micénicas no Sarcófago de Hagia Tríada, do segundo milénio, onde já se pode ver representado o instrumento. Deste modo, e de acordo com Lesky, Terpandro não foi o primeiro inventor. Mas isto não significa que o uso do instrumento se continuasse a verificar após o declínio da cultura micénica. Neste sentido, o testemunho de Estrabão que atribui a Terpandro o aumento do número de cordas, levanta a dúvida se teriam já os gregos conhecimento deste instrumento ou se efectuaram a sua reinvenção. Rocha Pereira considera viável uma nova invenção por parte de Terpandro. Alguns testemunhos antigos também atribuíam a invenção a Anacreonte». In Aires Rodeia Pereira, A Música Grega entre a Europa e a Ásia, Revista Humanitas, volume XLIX, 1997, Universidade de Coimbra.

Cortesia da UCoimbra/JDACT