terça-feira, 25 de agosto de 2015

O Novo Vizinho. 1230. 24 de Setembro. João Paulo Oliveira Costa. «… em 1230, pelo pacto de Benavente, Sancha e Dulce renunciaram aos seus direitos dinásticos a troco de uma renda choruda e Fernando III tornou-se rei de Castela e Leão»

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«A 24 de Setembro de 1230 faleceu o rei Afonso IX de Leão e sucedeu-lhe no trono o seu filho Fernando III, que já era rei de Castela, desde 1217, e as duas coroas jamais se voltaram a separar. A monarquia leonesa, herdeira do reino das Astúrias, fora a grande potência da cristandade peninsular nos séculos X e XI, e os seus reis Afonso VI e Afonso VII tinham mesmo proclamado a dignidade imperial, mas o reino de Leão não tinha sido capaz de travar nem a autonomização de Portugal nem a de Castela e acabava por soçobrar asfixiado pelas novas monarquias que se tinham afirmado no século XII. Castela surgira como reino autónomo, pela primeira vez, à morte de Fernando, o Magno, em 1065, quando a herança do monarca foi repartida pelos três filhos, mas voltara a estar sob a égide de Leão, logo em 1172, quando Afonso VI refez a unidade do grande reino hispânico. Os dois reinos voltaram a separar-se passados oitenta e cinco anos, após o falecimento de Afonso VII, a 21 de Agosto de 1157; nesta ocasião, Castela ficou nas mãos de Sancho III, o primogénito, e Leão ficou sob o governo de Fernando II. Leão permaneceu então como reino autónomo durante os reinados de Fernando II (1157-1188) eAfonso IX (1188-1230).
Apesar de terem mantido disputas territoriais com Castela, ambos os monarcas elegeram Portugal como a sua prioridade estratégica. Toda a fronteira luso-leonesa esteve sempre em disputa, e a ideia de reincorporar o reino português ou de o tutelar esteve sempre em equação. Ambos os reis desposaram em primeiras núpcias infantas portuguesas, e Afonso IX foi inclusive o primeiro neto de Afonso Henriques. Após a anulação do seu casamento com dona Urraca, Fernando II optou por casar-se com filhas de grandes magnates leoneses, mas Afonso IX, depois de se ter de separar de dona Teresa Sanches, consorciou-se com Berengáría, irmã do rei Afonso VIII de Castela. No curto tempo que permaneceu unido a dona Teresa o monarca teve três filhos, os infantes Fernando, Sancha e Dulce. Este infante Fernando, nascido em 1192, neto de Sancho I e primo coirmão de Afonso II de Portugal, foi o herdeiro de Afonso IX, mas morreu precocemente, em 1214. A sucessão do trono passou então para outro infante Fernando, filho da rainha Berengária e neto de Afonso VIII de Castela, nascido em 1201. Esta alteração não afectava, inicialmente, a autonomia dinástica da monarquia leonesa, mas tudo se alterou subitamente: a 5 de Outubro de 1214, morreu Afonso VIII de Castela, tendo-lhe sucedido o filho, Henrique I, então com 14 anos, sob a regência da sua irmã Berengária. Foi um reinado curto, pois Henrique I faleceu a 6 de Junho de 1217, e não tendo nem irmãos nem filhos para lhe suceder, o trono passou para Berengária. A nova rainha abdicou de imediato no seu filho Fernando, que era o herdeiro de Leão. Fernando III abandonou a corte leonesa e assumiu a governação de Castela, enfrentando a hostilidade do pai, que reclamava para si próprio a Coroa castelhana, por ser neto do imperador Afonso VII.
Nos anos que se seguiram, a corte leonesa fomentou a candidatura das infantas Sancha e Dulce à sucessão do trono leonês, mas na hora em que Afonso IX faleceu as infantas não tinham apoios internos suficientes e Portugal, dilacerado pelas lutas resultantes da falta de autoridade de Sancho II, não estava em condições de as apoiar. Assim, ainda em 1230, pelo pacto de Benavente, Sancha e Dulce renunciaram formalmente aos seus direitos dinásticos a troco de uma renda choruda e Fernando III tornou-se no rei indiscutível de Castela e Leão. A configuração da cristandade hispânica alterava-se consideravelmente e a monarquia castelhana tornava-se pouco depois num colosso com as grandes conquistas que o novo rei realizou na Andaluzia, sobretudo Córdova, em 1236, e Sevilha, em 1248. A emergência da grande Castela decorreu enquanto Portugal era varrido pela desordem, embora fosse capaz de participar no movimento da reconquista para sul, com a conquista de todo o Alentejo e o domínio do curso do Guadiana até à foz. Foi com Afonso III que a Coroa portuguesa teve de ajustar a sua política peninsular à nova geoestratégia, surgida em 1230. Leão fora sempre uma potência ameaçadora, mas o novo gigante que se perfilava do outro lado da fronteira exigiria cuidados redobrados, até porque herdaria os apetites territoriais pelo extremo ocidente que tinham antes sido mantidos pela monarquia leonesa. A luta pela posse do Algarve seria o primeiro episódio de uma relação sempre difícil». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.

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