quinta-feira, 9 de julho de 2015

Tomar. Thomar Revisited. José Augusto França. «Ali Henrique realizou grandes obras civis, adaptando a ponte, fundando Estaus de novidade urbana, como em Lisboa fizera o irmão Pedro (Regente), e aqui para uso de visitantes e criadagem dos mestres e dos cavaleiros»

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Sítio e história
«(…) Já dois anos atrás o infante João fora investido no Mestrado de Avis, mas agora o caso era mais importante, e o pedido real foi satisfeito pelo papa e, mais, em 1456 e até 1514, o espiritual, das terras descobertas coube na confirmação do privilégio inicial dos Templários de Nulla Diocesis. A Cruz da Ordem de Cristo foi então emblema do velame das naus dos descobrimentos e, desde 1420, os seus enormes réditos foram sempre administrados por príncipes da casa real, o infante Fernando, sobrinho e herdeiro do infante Henrique, seus filhos Diogo e Manuel, duques de Beja, e, desde este, pelos próprios reis, até a rainha dona Maria II, à extinção das ordens religiosas, em 1834. A economia dos descobrimentos, em nova vocação nacional animada inicialmente pelo Infante Henrique, dependeu, como se sabe, em considerável parte, dos rendimentos de que o regedor, dispunha, seus (de que não prescindiu e muito aumentou, por não ter feito voto de pobreza ao assumir, propositadamente, não o mestrado mas a administração da Ordem) e da própria Ordem assim administrada.
A acção do infante à frente da Ordem de Cristo foi considerável com todo o poder dos cavaleiros, que aumentou por força de novos estatutos em 1426, e de reformas desejadas, de que foi incumbido em 1434, mas só com aplicação em 1443 e sobretudo 1449, João Vicente, bispo de Lamego, antigo médico de João I. Eram elas conformes aos estatutos da Ordem de Calatrava, modelo que lhe fora, já em 1319, e agora mais imposto. Grandes obras no castelo-convento foram levadas a cabo, e ali o infante residiu até se fixar, já em anos 40, no Algarve, na chamada Vila do Infante, desaparecida e de hipotética localização, onde morreria em 1460 (mas em 1451, por exemplo, estava em Tomar), deixando em testamento à Ordem as suas ilhas açoreanas de S. Miguel e de Sta. Maria que, como o restante arquipélago, recebera do rei, e indo as outras para a coroa ou para o sobrinho herdeiro. Paços de residência no castelo, outros, possíveis, ditos da Ribeira, existentes à Várzea Grande, onde se julga que veio a morrer o rei Duarte I em 1438, abrilhantaram a vida da povoação que muitas figuras henriquinas atravessaram. Ali Henrique realizou grandes obras civis, adaptando a ponte, fundando Estaus de novidade urbana, como em Lisboa fizera o irmão Pedro (Regente), e aqui para uso de visitantes e criadagem dos mestres e dos cavaleiros, e também de feirantes, já que, em 1420, uma feira franca foi criada, a seu pedido, em Tomar, por autorização régia e com privilégios então únicos no país. Saboarias com monopólio de fabrico, concedido ao infante em Santarém em 1424, foram-lhe também autorizadas em Tomar, nos antigos celeiros dos Templários, os cubos, com notável progresso económico da vila.
Também uma reforma hospitalar que o infante esboçou (e Manuel I terminaria) representou progresso para Tomar, cujo urbanismo se configurou por então na Vila de Baixo, tal como a conhecemos hoje, e deve ser considerado modelo empírico, não, bem entendido, da Lisboa pombalina, mas do Bairro Alto de S. Roque jesuíta, traçado por então, na capital. Nos paços henriquinos, necessariamente adaptados, viveu o infante Manuel, duque de Beja, administrador da Ordem por sucessão de irmão e pai; e também ao rei que foi, depois ficou devendo Tomar um novo e notável progresso. Ele dedicou-se à vila, corrigiu-lhe o curso do rio, deu-lhe casas de Câmara na Praça de S. João Baptista (que seria de Manuel I), absorvendo as boticas, da feira e com pelourinho defronte, e um hospital centralizado da Misericórdia, em 1520, na linha de assistência que sua régia irmã criara, e uma nova carta de foral em 1510. Ferrarias no Prado, para fabrico de armamento, já antes de 1504, lagares e moinhos, celeiros e adegas foram ainda mandados construir por Manuel I, muitas dessas construções foram, por gratidão e hábito, chamadas pelos tomarenses, até aos dias de hoje. E a importante ponte da vila foi igualmente renovada por ele.
Também então o Convento de Cristo recebeu obras que lhe definiram o estilo dito muito mais tarde manuelino, e logo na célebre janela que o simboliza. E as igrejas da vila, reedificadas como a de S. João Baptista, acumularam então consideráveis riquezas, como a preciosa cruz-relicário feita, ao que se julga, com o primeiro ouro vindo da Índia, que desapareceu do Convento entre 1829 e 34, enquanto outras peças do seu acervo religioso passaram ao Museu de Arte Antiga, ou do Tesouro da Sé de Lisboa. E por todo o lado o rei impôs, a par da esfera armilar de seu emblema, a cruz da Ordem emblematizada também, como na Levada, à beira da ponte, se observa. Tais obras foram acompanhadas por nova reforma administrativa de que o real valido Diogo Pinheiro, primeiro bispo do Funchal, se encarregou. De qualquer modo, logo em 1497, Manuel I criou uma Mesa Conventual, da Ordem, para gerência de seus bens». In José-Augusto França, Tomar, Thomar Revisited, Editorial Presença, Lisboa, 1994, ISBN 972-23-1846-2.

Cortesia de EPresença/JDACT