quinta-feira, 16 de julho de 2015

Princesas Portuguesas Rainhas no Estrangeiro Américo Faria. «Sabe-se, no entanto, que era fisicamente linda, havendo quem a aponte como “uma das mulheres mais belas da Europa no seu tempo”, o que não era pequeno predicado

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Teresa Henriques. Poderosa condessa da Flandres
«Portugal estava nos primórdios da sua existência como reino independente de facto, muito embora o antigo suserano não no-lo quisesse reconhecer. Mas o atlético Afonso Henriques, lançado decididamente no supremo objectivo de engrandecimento dos seus domínios, que ia dilatando a golpes de audácia e de bravura, enérgico e tenaz, queria desconhecer a resistência do primo Afonso VII de Leão ao reconhecimento. Espírito nato de guerreiro, coadjuvado por um escol de cavaleiros de ânimo rijo, de antes quebrar que torcer, o nosso primeiro monarca, rei, desde a aclamação pelas suas tropas vitoriosas na célebre batalha de Ourique (Julho de 1139), segundo reza a tradição, não descansava um momento nos seus propósitos.
Ora contra os leoneses, ora contra os infiéis de Mafoma, ao tempo ainda assenhoreados de uma boa parte do território que, em futuro próximo, viria a integrar Portugal nas suas fronteiras definitivas, o rei-fundador ampliava de forma substancial, em correrias temerárias, sempre motivo de pânico para o inimigo, os escassos limites do antigo Condado Portucalense herdado do pai. Na sua gloriosa carreira de batalhador, nas suas infatigáveis deslocações em surtidas sem fim, teve o grande conquistador apenas uma ausa, a do seu casamento em 1146 e o ano que se lhe seguiu.
Da rainha dona Mafalda, filha de Amadeu II, conde de Moriano, Sabóia e Piemonte, houve ele vários filhos e filhas. Destas últimas, a segunda teria sido dona Teresa, dado que a primeira fora dona Urraca, depois rainha de Leão pelo casamento. Poucos, e de difícil consulta, são os documentos conhecidos dessa época, e oito séculos já sobre ela passaram, que nos elucidem com segurança quanto à vida da infanta dona Teresa.
Os escritores estrangeiros tratam-na por Matilde, por, segundo parece, ter sido esse o nome que ela usou após o casamento, sem que se conheçam as razões que a levaram a adoptar tal qualificativo. Também, de resto, se desconhecem, por serem omissas nesse ponto as raras crónicas que se ocupam desta filha do rei-conquistador, a data em que nasceu e muitos outros pormenores da sua existência. Sabe-se, no entanto, que era fisicamente linda, havendo quem a aponte como uma das mulheres mais belas da Europa no seu tempo, o que não era pequeno predicado. Já em idade casadoira, teve um pretendente na pessoa prestigiosa de Filipe de Alsácia, o poderoso conde da Flandres e de Hainaut. A razão da honrosa escolha não se sabe. Mas, dedutivamente, é provável que algum cruzado, fidalgo de alta linhagem, dos muitos que por cá passaram nessa época e auxiliaram o nosso rei nas encarniçadas lutas contra a moirama aqui radicada, tivesse falado na nossa princesa ao soberano da Flandres, exalçando-lhe as qualidades e dotes físicos e morais.
Aquele condado era, ao tempo, um estado de grande vastidão territorial e de assinalável poderio militar e político, além de ser de muito antiga fundação. E a família condal orgulhava-se, muito justamente, de possuir remota genealogia, com antepassados de grandes lustres e altivos pergaminhos. Afonso Henriques, decerto bem informado no que respeitava à magnífica personalidade do candidato, quase um rei pelos seus estados e categoria, não teve dúvidas em conceder o seu consentimento a matrimónio tão promissor. Celebrou-se, em Portugal, o feliz consórcio em 1184, no mês de Agosto, com as pompas e faustos próprios de tão altos príncipes. E pouco depois seguiu a nossa formosa infanta para a sua nova corte em Gand. Levava por séquito numerosos e brilhantes personagens da corte portuguesa, parte do qual ficaria na Flandres como seu pessoal privativo.
A Europa de então digladiava-se em contínuas guerras religiosas ou simplesmente entre Estados para solucionarem antigas dissidências. Os povos não tinham sossego, e aos príncipes reinantes não era dado desfrutarem em ambiente de tranquilidade as suas coroas. Eram umas vezes os soberanos que marchavam em pé de guerra a fim de submeterem vassalos recalcitrantes, que se rebelavam contra os seus suseranos. Eram os vassalos que se levantavam contra aqueles, defendendo de armas na mão o que presumiam ser os seus direitos... Filipe devia vassalagem a Filipe Augusto, rei da França, de quem aliás fora tutor. Tais factos, no entanto, não o impediram, que, por essas alturas, confundiam-se direitos com interesses, e estes opunham-se a sentimentalismos, de se aliar com os ingleses contra ele». In Américo Faria, Princesas Portuguesas Rainhas no Estrangeiro, 1963, Edições Parsifal, 2013, ISBN 978-989-983-331-9.

Cortesia de Parsifal/JDACT