quinta-feira, 9 de julho de 2015

Persuasão. Jane Austen. «… a sua voz não tinha qualquer peso; a sua conveniência residia em transigir, ceder sempre, ‘era apenas Anne’. É verdade que, para lady Russell, ela era realmente uma muito querida e altamente apreciada afilhada»

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«A vaidade era o princípio e o fim da personalidade de sir Walter Elliot; vaidade pessoal e de situação. Tinha sido excepcionalmente bonito na juventude, e aos cinquenta e quatro anos ainda era um belo homem. Poucas mulheres se preocupavam mais com a sua aparência pessoal do que ele, nem o criado de quarto de qualquer lorde de fresca data poderia sentir-se mais encantado com o lugar que ocupava na sociedade. Considerava o dom da beleza inferior somente ao da baronia, e sir Walter, que reunia estes dois dons, era objecto constante do seu mais caloroso respeito e dedicação. A sua elegância e a sua posição social tinham um peso razoável no seu afecto, pois lhes devia por certo uma esposa possuidora de um carácter muito superior a tudo quanto o dele merecia. Lady Elliot tinha sido uma excelente mulher, sensata e afável, cujo bom senso e cuja conduta, desde que se lhes perdoasse a paixão juvenil que fizera dela lady Elliot, nunca tinham, depois, precisado de indulgência. Durante dezassete anos, tinha suportado, ou suavizado, ou ocultado os defeitos dele e estimulado a sua verdadeira respeitabilidade; e embora, pessoalmente, não tivesse sido a mulher mais feliz do mundo, encontrara nos seus deveres, nos seus amigos e nas suas filhas o suficiente para a prender à vida e fazer com que não se sentisse indiferente quando o destino estipulou que se separasse deles. Três filhas, as duas mais velhas com dezasseis e catorze anos, eram uma terrível herança para uma mãe deixar; ou antes, um terrível encargo para confiar à autoridade e à orientação de um pai presunçoso e tolo. Ela tinha no entanto uma amiga muito íntima, uma mulher sensata e meritória que, movida pelo forte afecto que lhe tinha, viera instalar-se perto, na aldeia de Kellynch. E era principalmente com a sua bondade e o seu conselho que lady Elliot contava para o melhor auxílio e a manutenção dos bons princípios e da instrução que tão preocupadamente transmitira às filhas.
Esta amiga e sir Walter não casaram, ao contrário do que poderia ter sido previsto nesse sentido pelas suas relações. Tinham decorrido treze anos desde a morte de lady Elliot e eles continuavam a ser vizinhos próximos e amigos íntimos, e viúvos ambos. Que lady Russell, de idade e carácter estáveis, e com uma situação económica muito boa, não tenha pensado num segundo casamento, é coisa que não precisa de ser justificada ao público, que tem muito mais tendência para ficar despropositadamente descontente quando uma mulher volta a casar do que quando ela não casa. Mas o facto de sir Walter permanecer solteiro exige uma explicação. Saiba-se, portanto, que sir Walter, como um bom pai (e tendo sofrido uma ou duas decepções íntimas em diligências muito insensatas), se orgulhava de permanecer solteiro por amor das suas queridas filhas. Por uma delas, a mais velha, teria realmente desistido de alguma coisa que não se tivesse sentido muito tentado a fazer. Aos dezasseis anos, Elizabeth herdara tudo quanto era possível dos direitos e da importância social da sua mãe; e como era muito bonita, e muito semelhante a ele, a sua influência fora sempre grande e tinham-se dado os dois muito bem juntos. O valor das suas duas outras filhas era muito inferior. Mary adquirira um pouco de importância artificial ao tornar-se mrs. Charles Musgrove, mas Anne, possuidora de uma elegância de espírito e uma doçura de carácter que deveriam tê-la colocado num elevado lugar na consideração de qualquer pessoa dotada de verdadeira compreensão, não era ninguém, nem para o pai nem para a irmã: a sua voz não tinha qualquer peso; a sua conveniência residia em transigir, ceder sempre, era apenas Anne. É verdade que, para lady Russell, ela era realmente uma muito querida e altamente apreciada afilhada, a sua preferida e amiga. Lady Russell amava-as a todas, mas só em Anne conseguia imaginar que a mãe poderia voltar a viver. Alguns anos antes, Anne Elliot rinha sido uma rapariga muito bonita, mas o seu viço dissipara-se cedo, e como, mesmo no apogeu dessa frescura, o pai pouco encontrara que admirar na filha, tão completamente diferentes dos dele eram os seus traços delicados e doces olhos escuros, não podia haver neles, agora que estava estiolada e magra, nada capaz de estimular a sua estima. Nunca alimentara muita esperança, e presentemente não tinha nenhuma, de alguma vez ler o nome de Anne nalguma página da sua obra favorita. Toda a igualdade em termos de aliança tinha de assentar em Elizabeth, pois Mary mais não fizera do que ligar-se a uma antiga família rural de muita respeitabilidade e grande fortuna, e por conseguinte tinha sido ela a dar toda a honra sem receber nenhuma. Um dia, Elizabeth havia de casar apropriadamente». In Jane Austen, Persuasão, tradução de Fernanda Rodrigues, Editorial Presença, 2012, ISBN 978-972-232-113-6.

Cortesia EPresença/JDACT