sábado, 25 de julho de 2015

O Papa e o Filho Bastardo. Paul Strathern. «Durante os dias tensos do conclave, César manteve-se em Siena, a supervisionar o treino do cavalo com que ia concorrer ao Palio, a mais festejada das corridas de cavalos em Itália. Após a eleição do pai, recebeu ordens…»

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«(…) Ao completar 17 anos, César Bórgia foi mandado pelo pai para a Universidade de Pisa, criada havia pouco tempo por Lourenço, o Magnífico. O cardeal soubera que o segundo filho de Lourenço, Giovanni, que tinha a mesma idade que César e que estava também a ser educado para os mais altos escalões dentro da Igreja, ia estudar em Pisa (Lourenço tinha usado a sua influência para convencer o papa Inocêncio VIII a nomear Giovanni cardeal com 14 anos, uma nomeação sem precedentes...). Escreveu a Lourenço informando-o de que mandava para Pisa o seu próprio filho, como testemunho do grande amor que sentia pelos Medici, Para que ele pudesse estar sob a asa e a protecção, de Lourenço. É possível que Maquiavel fosse um estudante sem dinheiro em Pisa durante este período; há indícios de que se encontrou pela primeira vez com Giovanni Medici por esta altura, embora não haja provas de que tenha conhecido César Bórgia nesta fase. César tinha-se tornado uma figura atraente. Uma fonte contemporânea chegou a descrevê-lo como o homem mais belo de ltália, e não havia nenhum vestígio do seu estatuto de padre, nem no seu comportamento nem na sua aparência. Vestia-se com uma exuberância de pavão, seguindo a última moda, usava o cabelo escuro pela altura dos ombros e exibia uma barba arruivada, que atraía os olhares da multidão por onde quer que andasse. Em Pisa, estudou direito civil e canónico, tornando-se rapidamente notado pela sua aplicação e pelo brilhantismo; mesmo o historiador seu contemporâneo Paolo Giovio, que desprezava os Bórgia, admitiu que, na discussão pública a que César teve de se submeter para a sua licenciatura, os examinadores ficaram deslumbrados pelo seu espírito fogoso e pela maneira como ele discutia eruditamente as questões que lhe eram colocadas, tanto no direito civil como no canónico.
Mas, um ano depois, em 1492, verificaram-se umas mudanças drásticas que transformariam a Itália e modificariam a vida de César para sempre. Em Abril, Lourenço, o Magnífico, morreu em Florença e, com isso, a difícil estabilidade política dos estados italianos perdeu o seu mais hábil protector. A seguir, em Julho, o papa Inocêncio VIII faleceu e, a 5 de Agosto, os cardeais reuniram-se num conclave secreto para eleger o seu sucessor. O cardeal Bórgia era um manipulador supremo no tipo de negociações que rodeavam uma eleição papal, em que as facções rivais regateavam o apoio aos respectivos candidatos. Na eleição anterior, em 1484, Bórgia tinha sido boicotado pela poderosa facção liderada pelo cardeal Giuliano della Rovere, que o obrigara a aceitar Inocêncio VIII como uma escolha de compromisso. Agora, o cardeal Bórgia tinha 61 anos e compreendia que esta seria provavelmente a sua última oportunidade para ascender ao trono papal. Uma vez mais, viu-se boicotado pelo seu determinado inimigo cardeal Della Rovere, e as intensas discussões arrastaram-se durante cinco dias, sem sinais de saída do impasse. Por fim, este foi desfeito pelo cardeal Ascanio Sforza, irmão de Ludovico Sforza, Il Moro, o governante de Milão. De acordo com a lenda registada pelo cronista contemporâneo Stefano Infessura, na noite do dia 10 de Agosto, quatro mulas carregadas com um tesouro foram vistas a sair do palácio do cardeal Bórgia com destino ao do cardeal Sforza. Fontes mais fidedignas referem o facto de, durante aqueles dias, terem sido feitos levantamentos de tal forma elevados do Banco Spannocchi, em Roma, onde o cardeal Bórgia depositava o seu dinheiro, que o próprio banco quase foi à falência. Na manhã do dia 11 de Agosto, quando os relâmpagos de verão rompiam as nuvens negras que se elevavam acima das colinas de Roma, aconteceu que, para espanto geral, o cardeal Ascanio Sforza decidiu votar (com toda a sua facção) a favor do cardeal Bórgia, que consequentemente foi eleito papa e escolheu o nome de Alexandre VI. Antes da eleição, o novo papa tinha-se vangloriado, com algum exagero, que durante os seus anos de vice-chanceler acumulara sacos de moedas de ouro, pérolas, joias e baixela de ouro suficientes para encher a Capela Sistina. Uma parte considerável da sua fortuna pessoal fora utilizada para garantir a sua eleição, mas o prémio valia-o bem: o rendimento anual do papa durante este período era de cerca de 300 000 ducados e a venda de caros benefícios eclesiásticos podia ascender a um montante ainda superior. Sabia-se que os conclaves anteriores tinham sido corruptos, com recurso ao dinheiro para influenciar a votação, mas este é em geral considerado como a primeira vez na história em que o papado foi pura e simplesmente comprado.
Durante os dias tensos do conclave, César manteve-se em Siena, a supervisionar o treino do cavalo com que ia concorrer ao Palio, a mais festejada das corridas de cavalos em Itália. Após a eleição do pai, recebeu ordens para não assistir à entronização papal, mas sim para se retirar para a fortaleza familiar, situada cerca de 97 quilómetros ao norte de Roma, no meio das colinas arborizadas de Spoleto. Alexandre VI considerava que não seria de boa política exibir a família numa tal ocasião. No entanto, meses depois, para grande indignação de toda a Roma, chamou César, e mais tarde a irmã mais nova de César, Lucrécia, para viver com ele no novo bairro do Vaticano de Trastevere, que fora crescendo na outra margem do Tibre, frente à cidade principal. Sabe-se que papas anteriores tiveram filhos, mas nunca antes tinham coabitado publicamente com eles. Também controversa era a ostensiva vida secular de César, tal como é narrada por um seu amigo, o embaixador de Ferrara: … anteontem fui encontrar-me com César na sua casa em Trastevere. Estava prestes a sair para a caça; vestia uma roupa secular de seda e tinha a espada à cintura.(...) Possui um génio assinalável e uma personalidade encantadora. Tem os modos do filho de um grande príncipe; sobretudo, é espirituoso e alegre e gosta de conviver. Nunca teve qualquer inclinação para o sacerdócio». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

Cortesia do CAutor/JDACT