quarta-feira, 22 de julho de 2015

Da Vinci. Maquiavel. Bórgia. O Mundo que eles Criaram. Paul Strathern. «… em tradução italiana, o autor romano do século I a.C. Lucrécio, cujo poema épico “De Rerum Natura” (Sobre a natureza das coisas) procurava explicar o mundo em termos científicos»

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Uma Constelação Única
«(…) O pai de Leonardo, Ser Piero, terá quase de certeza visitado o pai, Antonio Vinci, e o seu irmão Francesco na propriedade dos Da Vinci em encontros familiares nos dias festivos e durante as férias do verão. E terá certamente levado consigo a sua jovem esposa, Albiera, com quem se casara em Florença, tal como terá levado a sua segunda esposa, Francesca, com quem se casou depois da morte de Albiera. Nenhuma destas mulheres teve filhos. Leonardo pode ter sido uma criança solitária sem mãe, mas parece que o seu bom aspecto e a sua habilidade precoce para o desenho terão encantado as duas madrastas. Desde o início, ele ostentou a autoconfiança de quem está habituado a ser o centro das atenções, de um rapaz que cresceu a sentir o amor feminino cheio de adoração e que nada questiona. O facto de estas duas madrastas extremosas terem morrido quando Leonardo era ainda jovem causou-lhe sem dúvida mágoa e pode ter contribuído para o autodomínio retraído que ele começava a evidenciar.
Por volta de meados de 1460, no início da adolescência, Leonardo foi viver para Florença, onde o seu excepcional talento para o desenho lhe valeu ser aceite como aprendiz no atelier do eminente artista Andrea del Verrocchio. Aí, Leonardo aprenderia a desenhar, a pintar, anatomia, escultura e desenho arquitectónico. Isto conduziu-o a novos campos, alargando ainda mais a sua capacidade intelectual. O desenho levá-lo-ia ao estudo da perspectiva, o que o fez interessar-se pela geometria; e a anatomia a estudar cuidadosamente o funcionamento dos engenhos mecânicos; a arquitetura levá-lo-ia ao estudo das proporções aritméticas, o que, por sua vez, o incentivaria a aprender a harmonia na música. A sua curiosidade intelectual associada à falta de uma instrução formal impeliu-o para uma busca incessante de um novo conhecimento. Este era um conhecimento que ele fazia questão de adquirir à sua própria maneira: não a partir dos livros (a maioria dos quais estava escrita em latim, língua que ele não compreendia), mas sim a partir da experiência; não de maneira sistemática, mas como e quando surgia a oportunidade adequada. Começou a anotar as coisas em cadernos de apontamentos, sem uma ordem geral nem de importância, tal como faria ao longo de toda a vida. Não havia um plano abrangente que fosse além do puro impulso inicial, que Leonardo seguia com força e deslumbramento infantis na direcção que ele lhe impunha. No entanto, esta aquisição de conhecimento não se fazia sem uma aprendizagem livresca. Foi por volta desta época que ele começou a ler, em tradução italiana, o autor romano do século I a.C. Lucrécio, cujo poema épico De Rerum Natura (Sobre a natureza das coisas) procurava explicar o mundo em termos científicos. Embora as investigações de Leonardo possam ter parecido casuais, elas foram cada vez mais orientadas por uma visão global, uma consistente visão empírica do mundo, e isso provavelmente ele foi buscar a Lucrécio.
Muitos dos melhores artistas de Florença reuniam-se no atelier de Verrocchio, incluindo Botticelli, o pintor preferido de Lourenço, o Magnífico, chefe da poderosa família Medici, que governava Florença. A magnificência, de Lourenço estendia-se a muitas áreas. Como governante, fez de Florença uma grande cidade; a sua valentia nos torneios era lendária; era um dos mais talentosos poetas do seu tempo, e o círculo social que ele reunia no Palazzo Medici, na Via Larga, incluía os melhores poetas, artistas, filósofos e eruditos. Entre eles contavam-se o poeta Angelo Poliziano, o filósofo Giovanni Pico della Mirandola e o erudito em Platão Marsilio Ficino, todos eles figuras excepcionais do Renascimento a que se assistia em Florença.
De modo inevitável, não passou muito tempo sem que o belo e talentoso Leonardo da Vinci chamasse a atenção de Lourenço, o Magnífico. Era mais um jovem poderoso por quem Leonardo se sentiu atraído, e em breve este era considerado parte do círculo de artistas, filósofos e poetas de Lourenço. No decorrer dos seus estudos musicais, Leonardo tinha aprendido a tocar lira e desenvolvido uma voz excepcionalmente harmoniosa para o canto, com a qual entretinha agora Lourenço e os seus amigos. Esta ligação pessoal com o governante da cidade traria graves consequências para Leonardo. Em parte numa afirmação deliberada das suas aptidões excepcionais, e em parte numa compensação exibicionista para a sua condição de filho ilegítimo, Leonardo tornara-se uma espécie de dandy. Alto e belo, impunha a sua figura caminhando pelas ruas de Florença nas suas botas de macia pele de Córdova que lhe chegavam ao meio da coxa, o cabelo comprido caindo em caracóis por sobre os ombros da túnica curta cor-de-rosa, exalando ao passar um aroma a água de rosas». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

Cortesia do CAutor/JDACT