terça-feira, 14 de julho de 2015

A Primeira Infanta de Portugal. Rainha. 1165. «Os limites de Portugal também eram ainda fluidos, e alteravam-se em toda a extensão da linha fronteiriça ao sabor dos sucessos militares. O casamento da sua filha com o leonês não impediu Afonso Henriques…»

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Episódios da monarquia portuguesa
«A diplomacia das monarquias destes tempos tinha nos casamentos uma das suas principais formas de actuar, pelo que os filhos maiores d'el-rei Afonso Henriques foram sujeitos às necessidades do reino de assegurar a paz com o vizinho ou de estabelecer alianças. O primeiro matrimónio foi o de dona Urraca, que em 1165 se uniu ao rei Fernando II de Leão. Iniciava-se assim uma prática secular de casamentos com Leão, depois com Castela e finalmente com a Espanha. Embora fossem destinadas a harmonizar as relações entre os reinos dos cônjuges, muitas destas uniões não surtiam esse efeito, como seria o caso deste primeiro enlace. Nestes anos, as fronteiras da Hispânia eram incertas e voláteis; os príncipes cristãos e mouros tentavam dar coerência aos seus domínios, mas acabavam muitas vezes por se remeter à defesa de territórios inviáveis.
Os limites de Portugal também eram ainda fluidos, e alteravam-se em toda a extensão da linha fronteiriça ao sabor dos sucessos militares. O casamento da sua filha com o leonês não impediu Afonso Henriques de se manter na ofensiva quer a norte, com a ocupação de castelos na Galiza, quer a oriente, tendo a sua hoste entrado inclusive em Salamanca. Como veremos a seguir, Portugal não desdenhava a possibilidade de entrar fundo, a leste, no território muçulmano, mesmo que isso significasse o bloqueamento da Reconquista para o reino de Leão; esta conflitualidade, particularmente exacerbada em 1169, não impediu a convivialidade entre Fernando e Urraca. No entanto, o casal que a guerra não separou foi separado pela Igreja.
Dona. Urraca e Fernando II eram parentes em quinto grau, sendo ambos bisnetos do imperador Afonso VI. Tinham por isso uma consanguinidade que a Igreja estipulava como suficiente para impedir o matrimónio. Ao casar com a prima, o monarca leonês acalentava a esperança de que Roma sancionaria o casamento através do (muito comum) expediente da dispensa papal, e era apoiado por muitos prelados do seu reino. No entanto, em 1175, passados dez anos sobre o consórcio, chegou a decisão irreversível da Santa Sé anulando o casamento. Nesta época, a Igreja era um dos grandes poderes da cristandade, e ainda não estava manietada pelos príncipes. A maioria dos bispos era oriunda das escolas eclesiásticas em vez de serem filhos segundos da nobreza e da realeza. Os clérigos participavam nas lutas pelo poder, mas com voz própria e até concorrencial em relação aos soberanos da república cristã, como se percebe neste caso. Mais tarde, a Igreja autorizaria sistematicamente casamentos envolvendo primos coirmãos (consanguíneos de 3.º grau) e mesmo tios ou tias com sobrinhos ou sobrinhas, como sucedeu em Portugal já no século XVIII, mas nesta altura ainda tinha independência para ser caprichosa na gestão da sua autoridade.
Entretanto, o casal tivera um filho, o infante Afonso, nascido em 1171. Apesar de o casamento dos seus pais ter sido declarado nulo, o menino não perdeu a legitimidade, pelo que em 1188 subiu ao trono de Leão, como Afonso IX, na sucessão do seu pai. E a seguir casou, em 1191, com dona Teresa Sanches, sua prima coirmã, filha de Sancho I, mas essa união foi proibida muito mais depressa, pois o papa declarou a nulidade do consórcio logo em 1192, o que só foi acatado pelo casal em 1194, e também o seu filho, o infante Fernando, não perdeu a legitimidade. Nesta última fase da sua existência (1157-1230), o reino de Leão teve dois monarcas e ambos casaram em primeiras núpcias com infantas portuguesas; depois de Urraca, Fernando II casou com mulheres da nobreza leonesa, mas Afonso IX virou-se para Castela e casou-se com Berengária de Castela, filha de Afonso VIII; como o seu filho de dona Teresa Sanches faleceu jovem, a união com a castelhana representou o beijo da morte da monarquia leonesa.
Nestes anos de 1157 a 1230, muitos magnates portugueses, incluindo infantes, irmãos de Sancho I, desempenharam lugares de grande influência política na monarquia leonesa, e esta olhou cobiçosamente para o reino luso, mas o Portugal nascente logrou resistir à pressão e às investidas do vizinho até que os ventos dinásticos empurraram o reino de Leão para a ligação ao vizinho mais oriental». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT