sexta-feira, 24 de julho de 2015

A Estátua do imperador Maximiliano. Pedro IV. Alexandre Borges. «À mulher de César não basta sê-lo; é preciso parecê-lo. E a estátua do Rossio parece ter sido cuidadosamente colocada longe da vista para que ninguém percebesse que imperador, afinal, replicava»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Contudo, século e meio depois, qualquer breve incursão pela world wide web, invenção com que nenhum dos artistas ou imperadores terá contado, revelará que ainda mais abundantes do que as versões do logro são as teses que o dão como mito urbano. Suportadas em citações do jornalista Rocha Martins ou do historiador de arte José Augusto França, múltiplos autores sustentam que o rumor, embora criativo, nunca terá passado disso mesmo: de um boato criado pela proverbial autocrítica nacional. As fardas de Pedro e Maximiliano seriam semelhantes, de acordo, mas isso não era estranho por si só, dada a velocidade com que se espalhavam então as modas das casas reais; a similitude dos rostos, sim, teria sido a pedra-de-toque para o espoletar da efabulação. Outras loucas invenções, como as máquinas fotográficas com teleobjectivas e os milagrosos produtos de limpeza com que a estátua do Rossio teria sido esfregada em anos recentes, poriam a nu a verdade: que aquele imperador era mesmo o nosso e não o desafortunado austríaco que acabou os seus dias em Querétaro, diante de um pelotão de fuzilamento. A prová-lo estaria na mão direita da estátua a Carta Constitucional com que Pedro serenou os ânimos entre liberais e absolutistas em 1826, o grande colar da Torre e Espada, altíssima distinção honorífica portuguesa, e, por fim, os escudos nacionais cuidadosamente esculpidos nos botões do casaco.
De facto, a descoberta da Carta, do colar e dos escudos aniquila qualquer pretensão histórica das duas primeiras versões da tese Maximiliano, nascido na Áustria, morto no México, eternizado em Portugal; no entanto, pouco podem contra a última. Se Davioud e Robert retocaram uma estátua já feita ou construíram uma nova, dificilmente se saberá. A verdade é que o imperador do Rossio apresenta uma barba farta como a de Maximiliano, mas também há retratos semelhantes de Pedro, diferentes da habitual representação de bigode, pêra e patilhas ralos. Sobra uma questão: a inusitada altura do pedestal da estátua, fazendo-a mais alta do que qualquer prédio da praça; muito, mas muito mais alta do que a de outro rei, José I, construída um século antes numa praça próxima e incomparavelmente maior, o Terreiro do Paço. À mulher de César não basta sê-lo; é preciso parecê-lo. E a estátua do Rossio parece ter sido cuidadosamente colocada longe da vista para que ninguém percebesse que imperador, afinal, replicava.
Pedro e Maximiliano nunca se conheceram. O segundo era uma criança de dois anos a viver em Viena quando o primeiro morreu, a 24 de Setembro de 1834, no mesmo Palácio de Queluz onde nascera. Pedro Alcântara Francisco António João Carlos Xavier Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, nome completo de um homem que viveu depressa. Não precisou sequer de 36 anos para ter o mundo a seus pés, perdê-lo e recuperar, ao menos, o direito de voltar a casa. Filho de um casal que se odiou reciprocamente até à morte, João VI e dona Carlota Joaquina, Pedro parece ter escolhido desde cedo estar ao lado do pai contra a mãe. Faltou-lhe a educação esmerada de outros príncipes herdeiros, o que talvez ajude a explicar o homem contraditório, desde criança tão dado a grandes impulsos de afecto como ataques de ira, com um pé na poesia e na música e outro no vernáculo e na atracção por andar à bulha. Com Miguel, o irmão quatro anos mais novo do que ele, foi mesmo assim: entre brigas e abraços. Os ataques de epilepsia de que padeceu desde pequeno acentuavam nele a impressão geral de instabilidade, mas Pedro era um duro: gostava de trabalho físico e de desporto, de andar a cavalo. Há-de cair dezenas vezes da sela e partir nove costelas. Nada disso o desencoraja; pelo contrário, sente orgulho na história de cada cicatriz». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

Cortesia C. das Letras/JDACT