segunda-feira, 15 de junho de 2015

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «Quando, entre Abril e Maio de 1931, se agitam bandeiras vermelhas nas faculdades, sobretudo a partir de 1929, começa a fazer-se notar no meio universitário a influência da Juventude Comunista…»

Cortesia de wikipedia

«(…) Uma das facetas mais significativas dos primeiros anos post-28 de Maio reside não só no relevo de novo concedido, pela oposição republicana, ao papel que a propaganda politica e ideológica deve desempenhar no seu combate pelo derrube da Ditadura e dos grupos sociais que sustentam, mas, e sobretudo, no conteúdo da mensagem veiculada por essa propaganda. Digamos que, genericamente, a estratégia dos diversos sectores oposicionistas exige a movimentação de três importantes peças: a manobra politica tendente a desagregar a mal cimentada facção da classe dominante que se encontra instalada no poder; a revolta armada, englobando militares democráticos e civis; e o apostolado, através da imprensa e dos centros e ligas republicanos, dos princípios do liberalismo e da democracia representativa, herdados das gerações mais progressivas do século anterior. Apostolado que é, essencialmente, antimonárquico e anticlerical.
O jornal Liberdade (publica-se pela primeira vez em 27 de Maio de 1928, tendo como director e editor Virgílio Marinha Campos e como redactor João Carlos Nordeste. António José Almeida foi convidado para redigir o primeiro editorial, no qual diz, a dada altura: encontramo-nos envolvidos num lance calamitoso, e que o é sobretudo pela confusão das ideias e pela conturbação dos sentimentos. [...] Como sair dele? Só há um processo: disciplinar o pensamento político português), entre outras virtudes, tem a de ser um paradigma. Por sintetizar, de 1928 a 1932 (o Liberdade reflecte uma interessante evolução ideológica dos seus colaboradores. Numa fase inicial, de 1928 a 1930, a tónica é colocada na apologia da obra realizada pela República, contrapondo a esta obra benéfica a acção perniciosa dos monárquicos e dos jesuítas; numa segunda fase, de 1930 até finais de 1932, começa a ser dada uma particular atenção às relações entre o operariado e a República. Por fim, de 1933 a 1935, o Liberdade adquire uma feição progressivamente marxista, predominando a aspiração de levar a toda a parte onde se sofre, onde se vive inconscientemente, a nossa palavra entusiasta, propagandeando o credo nobilíssimo da emancipação humana, como declara Virgílio Marinha Campos no n.° 189, de 12 de Janeiro de 1933, o primeiro que ostenta a designação de Semanário Republicano de Esquerda), uma maneira de ser e de se conceber (quando a Liberdade apareceu, foi acusada de avançada e de revolucionária. [...] Pois agora há quem a acuse de conservadora e reacionária; é certo que ainda não defendeu a supressão do capital, nem a divisão das terras pelos seus leitores; mas, enfim, tem defendido a República, a Liberdade, a Democracia, o Livre-Pensamento, o Estado laico, o aproveitamento obrigatório da propriedade rústica ou a sua alienação, uma mais equitativa remuneração do trabalho e os seguros sociais e tem combatido a reacção política, o clericalismo, a superstição, a guerra, a iniquidade de certas desigualdades económicas, o retrocesso no pensamento ou na acção; chamem-lhe nomes, a Liberdade prosseguirá).
Por congregar, lado a lado e em ideal camaradagem, velhos e novos republicanos, irmanados na convicção de que, enquanto a academia e a República se derem as mãos, a Pátria não morrerá. Por, finalmente, assumindo-se embora como jornal académico republicano, ter privilegiado a luta pela República, secundarizando a existência da academia, excepto quando esta se torna elemento indispensável do jogo político. Quando, no início do ano lectivo de 1930-31, as eleições nas três associações académicas do País são ganhas por estudantes republicanos, pensa-se que uma irresistível onda de espírito democrático está em formação nas profundezas do descontentamento popular. Quando, entre Abril e Maio de 1931, se agitam bandeiras vermelhas nas faculdades (sobretudo a partir de 1929, começa a fazer-se notar no meio universitário a influência da Juventude Comunista; sobre este fenómeno, J. Arsénio Nunes, sobre alguns aspectos da evolução do Partido Comunista Português após a reorganização de 1929 (1931-33), in Análise Social), olhos postos no exemplo oriundo da Madeira (a propósito dos acontecimentos de 1931 escutemos o testemunho de um protagonista, Vasco Gama Fernandes, então estudante da Faculdade de Direito de Lisboa: Era aliciante e em cheio a minha actividade: estudava como podia, tomava parte em reuniões públicas, uma delas no Centro Republicano António José Almeida, sob a presidência de Norton Matos [...] conspirava com estranhos e com companheiros da Faculdade [...] empenhados na organização dum Batalhão Académico [...] foi precisamente nessa ocasião que se deu a revolta da Madeira e nos Açores, com implicações frustes em Angola e na Guiné; oficiais republicanos, deportados nas ilhas, sob o comando do impoluto general Sousa Dias, ocuparam as posições estratégicas e aliciaram o entusiasmo das populações. Dado que a revolução não era secundada, como era de esperar, na metrópole, os rapazes do batalhão e outros poucos romperam no assalto à Faculdade de Direito, invadiram as suas salas, despejaram as carteiras pela janela, fizeram frente a dois ou três reaccionários mais decididos e, perseguidos pela polícia, entrincheiraram-se na Faculdade de Medicina [...], in Gama Fernandes, Depoimento Inacabado, Lisboa), corações alvoraçados pelas notícias trazidas de Espanha (sobre o papel desempenhado pelos estudantes no processo que conduziu à implantação da República em Espanha, em 1931), acredita-se que um retorno rápido à República liberal e parlamentar pertence ao universo dos possíveis. Quando, por fim, a derrota das ilusões se abate sobre a academia, é um pouco como se um tempo que teimava em não passar acabasse por morrer. Quanto ao futuro..., ele irá estar nas mãos de outras vanguardas, portadoras de outras concepções do mundo, de outras formas de actuar, quer na academia, quer na sociedade». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT