sábado, 30 de maio de 2015

Mulher de Ferro. Dona Beatriz (1429-1506). «… não foi recusado o governo da Ordem de Cristo a Diogo, governo aliás delegado a sua mãe, dada a menoridade do titular, pela bula Nuper carisimo, de Sisto IV datada de 19 de Junho de 1475»

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«(…) É então na sequência da viuvez, e liberta de preocupações quanto ao futuro das suas meninas, que dona Brites emerge desse quase anonimato, revelando as qualidades e aptidões que detinha, até aí ocultas- Ora, se as filhas trilhavam já caminhos que lhes haviam sido destinados e não exigiam, de momento, particulares desvelos, havia que velar pelos varões, ainda de menor idade, que iriam herdar a casa e dona Brites não iria delegar essa competência a outrem. Também assim o entendeu Afonso V que, por carta dada a l0 de Outubro desse mesmo ano de 1470, lhe concederia a curadoria e tutoria dos filhos, considerando nom aver hii pessoa que tamta rrazom amor e afeiçam deua nem posse teer carreguo delles e dos feitos e cousas a elles tocamtes, autorizando-a a gouernar e aministrar a elles seus beens e cousas e pessoas e que lhe pertencerem como milhor ouuer e lhe perecer (...) sem embarguo de quaasquer lex canónicas ciuees groses e openiõoes de doutores hordenaçõoes façanhas ou costumes de nossos regnos, ou seja, o monarca assinava a possibilidade de dona Brites se tornar a verdadeira gestora da casa senhorial: do património e de uma corte que já se divisava como alternativa.
O seu primogénito, João, herdou a casa e os títulos do pai. Foi, portanto, 2.ºduque de Beja e 3.º duque de Viseu, fronteiro de Entre Tejo e Guadiana e reino do Algarve, mestre das ordens de Cristo e de Santiago, condestável de Portugal, senhor da Covilhã, de Moura e das ilhas atlânticas. O rei iria ainda fazer-lhe mercê da cidade de Anafé, com toda a jurisdição e senhorios, apenes com ressalva das alçadas.
Mas, prudentemente, dona Brites, prevenindo um qualquer desaire que roubasse a vida ao jovem duque, obteve de Afonso V uma carta dada em Lisboa, a 14 de Agosto de 1471, que, com dispensa da Lei Mental, permitia a sucessão na pessoa do filho seguinte, caso João falecesse sem deixar descendência. Não se contentou a duquesa com a mercê régia e de novo solicitou, e foi-lhe deferida, por carta dada no Porto, a 7 de Agosto de 1476, a extensão da sucessão aos restantes filhos, considerada a ordem cronológica dos seus nascimentos.
Tivera razão a duquesa, nas suas preocupações! João iria, de facto, ter uma curta vida. Tal como o diploma obtido previa, seguiu-se-lhe Diogo, como 4.º duque de Viseu e 3.º duque de Beja. Porém, não seria contemplado como o irmão. O cargo de condestável seria então outorgado a seu primo, João, marquês de Montemor, cargo de há muito ambicionado pela Casa de Bragança, que se reclamava herdeira directa de Nuno Álvares Pereira. Perderia também o mestrado de Santiago que Afonso V entregou a seu filho, o príncipe João, adentro de uma política de concentração do poder, determinação que não teria agradado a dona Brites, que tentou, desta vez sem êxito, obter o mestrado de Avis, detido também por João, para seu filho Manuel. Argumentou a duquesa que a concessão do mestrado a João, agora João II, ocorrera num tempo em que ereasomente príncipe, pelo que não seria curial continuar a detê-lo. Mas estava-se já noutra era e a dona Brites foi-lhe negada mais esta pretensão, escusando-se, habilmente, o monarca com o depauperamento do reino.
Todavia, não foi recusado o governo da Ordem de Cristo a Diogo, governo aliás delegado a sua mãe, dada a menoridade do titular, pela bula Nuper carisimo, de Sisto IV datada de 19 de Junho de 1475. Dona Brites não se limitou então a aguardar a maturidade do filho, empenhando-se directamente na governação da Ordem, como aliás o havia feito, em relação à Ordem de Santiago, ao tempo detida por seu filho João, que contaria apenas cerca de 13 anos. Assim, considerando que no cartório faltava documentação que convinha deter, nomeadamente quanto a constituições, enviou a Badajoz frei Pedro Abreu, vigário da ordem de Cristo, a fim de obter cópias das directrizes em vigor no reino vizinho». In Maria Odete Sequeira Martins, D. Brites (Beatriz). 1429-1506, Mulher de Ferro, Quidnovi, 2011, Via do Conde, ISBN 978-989-554-789-0.

Cortesia de Quidnovi/JDACT