sábado, 30 de maio de 2015

A Voiturette de José Barahona. Alexandre Ramos. «… desde a fábrica até à sua chegada a Portalegre. Também determinar o valor patrimonial da ‘Voiturette’ na esfera da historiografia da cidade e do pioneirismo da utilização deste tipo de transporte em Portugal»

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«Este estudo tem como objecto o automóvel que se encontra no Museu Municipal de Portalegre. Segundo a tradição teria sido a primeira viatura do género a circular na cidade, contudo, a escassez de informações dificultou apurar a veracidade das fontes orais. A fim de colmatar esta carência de informação, levámos a cabo uma pesquisa que nos aproximasse da origem deste tipo de viaturas e do percurso da Voiturette de José Barahona, desde a fábrica até à sua chegada a Portalegre. Procurámos também determinar o valor patrimonial da Voiturette na esfera da historiografia da cidade e do pioneirismo da utilização deste tipo de transporte em Portugal.

A afirmação do automóvel na viragem do século
Pierre Souvestre na sua Histoire de l’Automobile de 1907, inicia a obra com uma frase emblemática de Roger Bacon: poderemos um dia construir carros que poderão ser postos em movimento sem o emprego da força ou da tracção de um cavalo ou qualquer outro animal. Esta frase demonstra um pensamento, que não é mais, que o ponto de partida que originou a procura do ser humano pela sua progressiva autonomia face à força animal de modo facilitar a sua mobilidade. A comercialização em grande escala do automóvel para fins particulares, começa em França no ano de 1891 através da marca Panhard-et-Levassor, que inaugura a primeira fábrica de produção automóvel do mundo, sendo construtores de carroçarias equipadas com motores alemães Daimler. Apesar desta indústria conhecer uma produção em grande escala em França, o automóvel nos moldes em como hoje o conhecemos deve a sua concepção ao engenho de três inventores alemães Gottileb Daimler (1834-1890), Wilhelm Maybach (1846-1929) e Karl Benz (1844-1929), sendo que este último foi o único dos três a patentear o modelo. Por esta altura, estes motores eram ainda incomparavelmente mais fracos que os das viaturas a vapor e eléctricas e, devido ao seu elevado preço e à sua manutenção complexa, apenas podiam ser adquiridos por membros da elite ou por sportsman. No entanto, o rápido desenvolvimento da indústria e as exigências do mercado, vão contribuir para o surgimento de motores de explosão cada vez mais potentes que permitirão a entrada destes no mercado das viaturas de transporte público e de mercadorias. A sua explosão comercial dá-se nos anos pós Exposição Universal de Paris de 1900, na qual o automóvel surgiu como uma das principais atracções do evento e como símbolo do progresso da ciência. Nos anos posteriores, os automóveis e os motociclos vão-se afirmando também como um símbolo de mobilidade individual, de afirmação social e de progresso técnico. É a conjugação destes elementos que explica que os pioneiros da utilização do automóvel em Portugal fossem invariavelmente grandes latifundiários, industriais, profissionais liberais e membros da nobreza. Estes últimos vão ter uma importância preponderante na introdução e desenvolvimento do seu uso.

O automóvel em Portugal na viragem do século
Nos anos que se seguiram à importação do primeiro automóvel regista-se um aumento anual considerável de importação de automóveis, que se difundem um pouco por todo o país. Veja-se o exemplo de Tavares Mello, residente em Coimbra, que em 1896 adquire um Peugeot equipado com um motor Panhard, licenciado pela Daimler. Também no Porto, deve-se salientar o papel da casa João Garrido, que se vai afirmar como uma das primeiras casas importadoras de automóveis, e que, como tal, é uma referência obrigatória para o estudo dos transportes motorizados em Portugal. Em 1900 o número de automóveis importados ascendia a 13 e quatro anos depois elevava-se já para 109.
A atestar também a crescente importância que o automóvel atinge no país, verifica-se a criação do Real Automóvel Club de Portugal a 15 de Abril de 1903, impulsionada pela organização, em 1902, da primeira corrida automóvel na Península Ibérica, a prova Figueira da Foz-Lisboa, ganha pelo monarca Carlos I num Fiat conduzido por um piloto francês. O ano de 1903 marca também o fim da produção dos automóveis que se inscrevem a categoria dos pioneiros segundo a FIVA. A introdução deste novo tipo de transporte acarretou consigo um impulsionador económico, pois permitiu a abertura de novos estabelecimentos e a criação de uma nova indústria, bem como a entrada de novas fontes de rendimentos para o Estado, não só através dos impostos alfandegários, mas também através da cobrança de novos impostos, tais como, registo de propriedade sobre a viatura e os alvarás, utilização e circulação, que as novas legislações vão estabelecer. Podemos afirmar que em Portugal, entre 1895 e 1904, o automóvel rapidamente se popularizou e exerceu um crescente papel no sector económico». In Alexandre Ramos, A Voiturette de José Barahona, Publicações da Fundação Robinson, Portalegre, nº 28, p.8-21, 2014, ISSN 1646-7116.

Cortesia da FRobinson/JDACT