domingo, 26 de abril de 2015

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «… um grupo de rapazes republicanos de Coimbra, mais ou menos dispersos e confundidos no seio dum grémio de estudantes de fama reaccionária, resolveram desfazer esse equívoco e definir, que coisa é o seu republicanismo»

Cortesia de wikipedia

«(…) Quanto às condicionantes e limites do movimento estudantil, julgamos não errar ao considerar que eles estão intimamente ligados à ambiência política envolvente do meio académico. Mas não só. Factores de índole específica são poderosos agentes no processo evolutivo de uma dada estrutura (dois exemplos: a luta levada a efeito, em 1919, pela Federação Académica de Lisboa contra o propósito de o Governo e o Parlamento intervirem na vida e na orgânica universitária, através da fiscalização da execução das suas leis e da escolha e nomeação do professorado e reitores; em 1926, e durante largos meses, as três academias estão em greve, entre outros motivos, por discordarem de um decreto que torna a contratação de professores dependente de factores de ordem política). O desenvolvimento do associativismo, sobretudo do associativismo federativo, depende de circunstâncias várias, que vão desde o distanciamento espacial entre as diversas escolas, institutos e faculdades, passando pelo desnivelamento social, que conduziu, não raras vezes, a uma hostilidade latente entre, por exemplo, alunos do Instituto Superior Técnico e alunos dos Institutos Industriais (outra das causas da greve de 1926 residiu na contestação movida pelos estudantes do Instituto Superior Técnico de Lisboa e da Faculdade Técnica do Porto contra a atribuição do título de engenheiro-auxiliar aos formados pelos institutos industrias, alegando que estes se pretendiam confundir com os licenciados pelos institutos superiores...), até à inexistência de uma mentalidade propiciadora dos gestos colectivos.
O impulso que, em 1913, produziu a Federação Académica de Lisboa foi esmorecendo lentamente, apesar dos periódicos sobressaltos suscitados por alegadas violações dos direitos estudantis. Os dois números da Revista da Federação Académica de Lisboa atestam bem a pouca consistência da estrutura federativa, sobrevivendo à custa do entusiasmo de meia dúzia de boas vontades. Como todas as regras têm as suas excepções, a Associação Académica do Porto oferece, talvez por razões de ordem sociológica, um panorama relativamente menos sombrio, em especial durante a década de 20, tendo conseguido manter de 1922 a 1929 a publicação regular do jornal Porto Académico. Jornal que, no entanto, não deixa de nos transmitir, em Janeiro de 1929, uma toada de profundo desencanto: a falta de pensamento e de acção, já não digo da academia do Porto, mas da actual geração académica portuguesa, tem sido um facto tão real, tão patente, que se impõe, com força de evidência, à nossa sensibilidade. [...] A quase totalidade da massa académica encontra-se ainda hoje dominada por um preconceito deplorável. Entende ela que a vida de estudante, para além do tempo ordinário que o seu curso lhe exige, deve ser completamente esgotada pela blague, pela facécia, alheada por completo dos problemas graves que afectam a Nacionalidade. Escassos meses após terem sido escritas estas palavras, a força de novos acontecimentos provocará o agitar das vontades adormecidas.
Uma das primeiras manifestações de inconformidade oriunda da juventude republicana, perante o evoluir do processo político desencadeado na Primavera de 1926, surgiu paradoxalmente adentro do tradicional bastião do conservantismo nacional. Pouco mais de um mês volvido sobre a fracassada tentativa de restituir ao País a legalidade institucional, precisamente em 9 de Abril de 1927, um grupo de rapazes republicanos de Coimbra, mais ou menos dispersos e confundidos no seio dum grémio de estudantes de fama reaccionária, resolveram desfazer esse equívoco e definir, num momento notoriamente difícil da vida nacional, que coisa é o seu republicanismo e em que princípios basilares se sustenta uma consciência cívica de que se ufanam. Liderando a iniciativa, quatro nomes sonantes do Centro Republicano Académico de Coimbra: Carlos Cal Brandão, Paulo Quintela, Sílvio Lima e um jovem a quem muitos auguram uma brilhante carreira literária, Vitorino Nemésio. Entre a lista de eventuais colaboradores destacam-se Rodrigues Miguéis e António Sérgio, este último já exilado em Paris, de onde envia alguns artigos para o jornal Gente Nova. Paralelamente ao relançamento das actividades do Centro Republicano Académico de Coimbra, procura-se dinamizar a Associação Académica, partindo esta diligência de um grupo de estudantes que se pretende acima de querelas partidárias ou religiosas. Desde modo, o jornal Mocidade, editado pela Associação Académica, apresenta-se aos seus potenciais leitores como um exemplo de imparcialidade, isenção de paixões, ideias claras e desempoeiradas, crítica acerada dos que com culpa prevaricam, perdão pleno para os pobres de espirito, vigor no ataque e lealdade na defesa». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT