terça-feira, 7 de abril de 2015

Goa Antiga e Moderna. Frederico Diniz D’Ayalla. «Cobertas de água, impelidas por um vento doido, redemoinham pelo ar em espirais tortuosas; rompem por entre os palmares, como um esquadrão de fogosos corcéis, e batem nas vidraças, como o duro granizo»

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Goa
«(…) Já pelos montes vêm ecoando longínquas e surdas trovoadas. Uma aragem húmida e saturada de um aroma peculiar àqueles climas, um cheiro de barro novo, prenuncia-nos que a chuva começa a cair sobre os montes mais próximos. De súbito estala uma trovoada. Um vento rijo e possante espalha grossos, fios de água e a terra exala um cheiro acre como o de água lançada em ferro rubro. O calor exalado da terra pelas gotas de água atinge a temperatura de ebulição e a poeira levantada pelo vento voltija pelo espaço como as faíscas de um incêndio; por sobre as nossas cabeças, bandos de gralhas, espavoridas e desordenadas, passam grasnando, e o céu parece descer como um capacete de ferro em brasa: estamos asfixiados. Começa, no entanto, a noite a subir bruscamente; a chuva não se fará tardar, porque à proporção que a noite caminha, uma aragem fresca e húmida nos indica que ela cai já em abundância pelos Gates. É noite cerrada. Nem uma estrela brilha no céu; em vez da trovoada a barra da Aguada brama com furor, como o despenhar de uma cascata; o horizonte, de quando em quando, estremece ao clarão dos relâmpagos que deixam ver as águas encapeladas e da cor de terra que dos montes corre pelo Mandovi à boca do mar:

Espalham cheiros nos campos
As florestas tropicais,
volitam os pirilampos
por sobre os verdes juncais.

Já se não ouvem os trilos
que ao sol modulam as aves,
ouve-se a bulha dos grilos
e uns sussurros mais suaves.

Sopra ama tépida aragem;
grupos de esbeltas palmeiras
acentuam na paisagem
as estaturas ligeiras.
F. Leal, in ‘Serenata Indígena

E a noite triste e espessa, como manto de viúva, cobre silenciosa o espaço de há pouco cheio de luz e tintas, ululando raivas e gargalhadas satânicas: segue a majestade sombria e muda do silêncio. O mundo afigura-se-nos então um templo onde se adora o Deus solitário das lendas hebraicas ou a cripta funerária dos egípcios, onde reina a Morte. Esta mudez, porém, vêm, em breve, romper as fortes bátegas de água e as colunas de ar açoitando o arvoredo com ímpeto insano. Cobertas de água, impelidas por um vento doido, redemoinham pelo ar em espirais tortuosas; rompem por entre os palmares, como um esquadrão de fogosos corcéis, e batem nas vidraças, como o duro granizo. Reboa outra vez, o trovão; o mar braveja com mais furor; cortam o espaço, em todas as direcções, em doidos ziguezagues, os coriscos; como as faíscas de uma metralha estalam com mais frémitos, umas após outras, as trovoadas sobre as nossas cabeças, como se num festim os espíritos celestes arrojassem ao mármore duro uma baixela de louça e o Deus da vingança ou Satã presidisse àquele bacanal celeste». In Frederico Diniz D’Ayalla, Goa Antiga e Moderna, Ésquilo edições e multimédia, Revisão de Adalberto Alves, 2011, ISBN 978-989-719-001-8.

Para Ofélia e Álvaro José, que estejam em paz!

Cortesia de Ésquilo/JDACT