terça-feira, 17 de março de 2015

Pela Luz dos Olhos Seus. Janine Boissard. «’A pequena’ sou eu. As pessoas nos diferenciam assim. O que poderia incomodar a pequena? O que pensa… Elas se adoram. E não se esqueça de que Laura é a melhor na escola»

jdact e wikipedia

Ela. Sinfonia nº 2 de Felix Mendelssohn
«Não iremos mais ao bosque, os loureiros foram ceifados. A bela que chegou irá colhê-los... A bela era eu! Tinha 8 anos, cabelos castanhos compridos, cílios grandes sobre olhos verdes, não, amarelos, zombava Agathe, minha irmã mais velha. Dentes proeminentes, o que seria fácil de consertar com um aparelho, e a pele morena, que me protegia dos raios de sol. Ah! Eu era a cara do meu pai, um tipo mediterrâneo com uma remota ascendência de espanhóis. Agathe, por sua vez, puxara ao lado da mãe, garota do Norte, loura de olhos azuis, esguia e fina como só ela. Pão branco, pão preto. Não são farinha do mesmo saco, brincavam carinhosamente as pessoas ao nos verem lado a lado. Vale dizer que o meu pai era padeiro. Vivíamos entre o mar e as macieiras, na Normandia, numa aldeia de setecentos habitantes, número que triplicava na temporada turística, pois ficava pertinho de Deauville. Com as tempestades que às vezes nos roubavam um marinheiro, as ressacas, um ou outro deslizamento de penhasco, os amores do carteiro, os da Sra. Pointeau por incontáveis gatos e cães que um dia a devorariam, nunca nos entediávamos em Villedoye. Todas as pessoas se conhecia e... A padaria não é, para todo o cristão que se preze, a parada obrigatória de todos os dias? Cresci, invejada pelas colegas, em meio ao aroma quente da massa de pão, das tortas, dos croissants e dos bolinhos, e tão habituada a eles que nem lhes dava mais atenção. Todas as manhãs, um autocarro levava Agathe e eu ao colégio. Em breve seria o liceu e, se continuássemos os estudos, a universidade, em Caen. A mãe já nos via professoras primárias, profissão ideal quando a pessoa tem filhos, proporcionando um emprego seguro e, graças aos horários e às férias, o tempo de dedicar-se a seus afazeres como bem lhe aprouver. Claro, na Normandia chovia muito, mas nós gostávamos disso, pois combinava com a região. Tenho 13 anos e estamos no verão. Agathe foi à praia com amigos, mas preferi ficar lendo na cama. Na cozinha, a mãe conversa com Jeannette, uma das minhas incontáveis tias. Riem ao falar da minha irmã, que não sabe o que fazer com tantos pretendentes, como os grandalhões que vieram pegá-la em três carros para tomar banho de mar em Deauville. E todos queriam levá-la, viu? Mais um pouco e saíam na briga. Está aí uma para quem não terá dificuldade em arranjar casamento, observa minha tia. Não somos nós que os arranjamos mais, elas se viram muito bem sozinhas, diz sensatamente minha mãe. Aguço os ouvidos, pois o assunto me interessa. Isso não deixa a pequena chateada?, pergunta Jeannette, baixinho. A pequena sou eu. As pessoas nos diferenciam assim. O que poderia incomodar a pequena? O que pensa, responde a mãe. Elas se adoram. E não se esqueça de que Laura é a melhor na escola. É verdade. Lá sou maravilhosa, e é Agathe que vira a pequena, até mesmo minúscula, no dia em que trazemos os boletins para assinar. A propósito, ela repetiu de ano. Agora estou apenas uma série atrás dela. Eu: Excelente aluna, séria, talentosa, parabéns! Ela: Poderia se sair melhor em todas as disciplinas, menos educação física, pois ela adora ficar de short para que admirem o seu corpo. Agathe e o estudo não combinam. Ela prefere sonhar, enrolando no dedo um dos seus compridos cachos louros. E no dia do boletim, eu é que tenho de consolá-la. Tem razão, concorda Jeannette. Pelo menos a pequena brilha. De certa maneira, é uma compensação. E depois, eu não disse que Laura era feia. Não é de se jogar fora. É, que, quando se compara...
O barulho da cadeira sendo empurrada com brusquidão indica tempestade no ar. A mãe retruca, furiosa: Mas por que ficam comparando? Por acaso comparam o lírio com a flor silvestre? Pois saiba que eu acho óptimo ter duas filhas tão diferentes. Comparar. Até aquele momento eu não pensara muito nisso. Aos 13 anos, todos lhe dirão a mesma coisa, é a idade da transformação, quando a mocinha apenas se insinua e ainda não podemos prever o resultado final. O importante, nessa fase, é ter um bom ambiente em casa, uma irmã com quem conspirar e amigas. Eu tinha tudo isso; na verdade, tinha até mais amigas do que Agathe, que era metida e não sabia guardar segredos. Quando ela voltou da praia e tomou o seu banho de água doce, espalhando areia para todo lado, com a porta aberta para ser admirada, fiquei comparando». In Janine Boissard, Pela Luz dos Olhos Seus, 2003, Editora Arqueiro, 2013, tradução de André Teles, ISBN 978-858-041-211-6.

Cortesia EArqueiro/JDACT