domingo, 29 de março de 2015

A personagem do rei Pedro I. Narrativa portuguesa do dealbar do século XXI. Pedro J. Rodrigues. «… um Monarca itinerante, que calcorreou as estradas para levar a presença régia a todos os cantos do País, sacrificando-se e agindo sempre em prol grande da sua terra»

Cortesia de wikipedia

A figura do rei através dos documentos oficiais do seu reinado
«(…) Poderemos sempre questionar se as decisões originadas nas Cortes (tal como, mais tarde, as exaradas na Chancelaria) são o reflexo das vontades e convicções do rei Pedro I ou se, pelo contrário, resultam das opiniões maioritárias do seu Conselho, o qual ajudava na elaboração dos documentos escritos que constituíam as respostas às queixas (ou agravamentos) apresentadas pelos grupos sociais ou pelos diversos concelhos. Este Conselho Real continua a acompanhar o rei ao longo do seu reinado, desempenhando funções consultivas, mas o seu verdadeiro peso nas decisões régias permanecerá sempre uma incógnita: se alguns salientam a sua importância, como Joel Serrão e Oliveira Marques, que associam a manutenção da paz no reino ao facto de o rei se ter rodeado de bons conselheiros, outros, pelo contrário, consideram que o conselho assumia uma posição subalterna, confinado, na prática, a intervir apenas quando o rei o chamava a pronunciar-se ou, caso este se ausentasse, a decidir nos casos mais simples. É possível que o rei se tivesse escudado inicialmente nos conselhos de homens experientes que o acompanhavam desde os tempos dos confrontos com Afonso IV, passando a agir de forma individual, à medida que ia adquirindo mais experiência e confiança nas suas próprias capacidades; de tal modo que, justificando decisões suas quanto à centralização dos mecanismos de desembargo, o rei mostra não abdicar do seu direito de controlar bem de perto a aplicação da justiça que era feita em seu nome: per esta guisa vera el rrey todo o que se livra na sua corte. Assim, a importância do Conselho Real ter-se-ia esvaziado gradualmente, até ser apenas um meio de conseguir que a máquina judicial continuasse a funcionar quando o rei se ausentasse para as suas diversões venatórias, constituindo excepção os casos mais complexos, que esperariam o seu regresso.
Esta aparente falta de responsabilidade de um rei que abandona o trono e os deveres a ele associados para se divertir caçando, por vezes durante longos espaços temporais, pode levar-nos a reflexões um pouco mais complexas. É verdade que Pedro I se deu conta da necessidade de colmatar a sua ausência, delegando poderes nos seus oficiais de justiça, embora se reservasse o direito de fazer esperar pela sua real decisão os casos mais complexos, como já vimos; mas também não podemos deixar de atribuir algum significado ao facto de, durante os dez anos do seu reinado, raramente se encontrar num mesmo local mais de um mês. O estudo dos seus itinerários, baseado nos documentos da chancelaria real, confirma esta característica; mas quanto às causas, mais uma vez, não existe consenso. Mesmo entre os historiadores mais recentes, há divergências essenciais quanto às motivações de Pedro I: Oliveira Marques, por exemplo, identifica o rei com um indivíduo incapaz de se demorar em qualquer cidade ou região, com necessidade constante de mudança, em suma, um homem instável no mais elevado grau; por outro lado, Veríssimo Serrão apresenta-o como um Monarca itinerante, que calcorreou as estradas para levar a presença régia a todos os cantos do País, sacrificando-se e agindo sempre em prol grande da sua terra. É esta última posição a que parece reunir a preferência dos estudiosos actuais. Luís Krus, em comentário breve à edição da Chancelaria de D. Pedro, acredita que o facto de o monarca viajar por todo o reino, ouvindo os povos, cimenta a própria unidade do país através da sua simples presença e acção. Dora Luís, por outro lado, prefere salientar a sensatez do rei, já que considera que as suas viagens são uma excelente estratégia de relações-públicas e de propaganda, porque exponenciam a projecção da sua imagem. O hábito de viajar pelo país viria já, aliás, da juventude do infante, atitude a que se poderia atribuir uma intenção concreta do príncipe herdeiro, que circulava constantemente de terra em terra fazendo-se conhecido e estimado.
Parece-nos difícil crer que Pedro I desde tão cedo previsse a necessidade de captar as simpatias do povo para fortalecer o seu próprio poder daí a vários anos, tanto mais que não poderia antever as tensões imediatamente anteriores à sua investidura. Mas se o novo rei fez questão de continuar a obra legislativa de seu pai, sabendo aproveitar a herança de Afonso IV, respeitá-la, mantê-la e segui-la, a verdade é que não demorou muito tempo a controlar os poderes dos nobres e a tomar medidas concretas que afrontaram o clero de forma significativa, tudo isto com um apoio já incondicional do povo, cuja confiança o rei cultivaria de forma consciente. Esta estratégia de consolidação do poder parece ter assentado também, segundo Valentino Viegas, na substituição dos alcaides por pessoas da confiança do rei e na distribuição de cargos importantes a vassalos escolhidos, certamente não de modo aleatório; desta forma e através da concessão de alguns benefícios, o rei dominava a engrenagem do poder central. Isto apesar de não ser, de todo, consensual a ideia de que Pedro I tenha sido extremamente liberal: de acordo com o referido autor, o rei Pedro I foi bastante comedido em acrescentamentos, incomparavelmente mais do que os seus sucessores, a não ser que os seus antecessores fossem ainda mais parcimoniosos, o que parece confirmar-se pelo menos em relação a Afonso IV». In Pedro Jorge Rodrigues, A personagem D. Pedro, Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI, Tese de Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta, Coimbra, 2006,

Cortesia de UAberta, Coimbra/JDACT