quarta-feira, 11 de março de 2015

A Biblioteca Perdida. Conhecimento é poder… A. M. Dean. «Sabendo de quê? Conhece Arno Holmstrand, da História? Claro, respondeu Emily. Todos conheciam o professor que era o baluarte do Departamento de História. Mesmo que Emily não pertencesse aos dois departamentos, o de História e o de Religião…»

Alexandria, Egipto 
jdact

Minessota. 9h05
«(…) O dia que iria mudar a vida da professora Emily Wess começou de forma bastante banal. Não havia indícios de tragédia, nenhum sinal de urgência no modo como ela tinha começado a mesma rotina matinal que mantinha todos os dias durante o semestre lectivo. Tinha feito a sua corrida, dado a sua aula, bebido o seu café da manhã. Mesmo assim, enquanto o pesado ar de Outono que respirava todas as manhãs no campus do Carleton College passava por suas narinas, sentia que havia algo errado. Alguma coisa, que não sabia definir completamente, fez arrepiar sua pele quando ia da sala de aula para o seu gabinete. O dia tinha um aspecto estranho, um jeito incomum que ela não conseguia descrever. Bom dia, pessoal, disse ao surgir do corredor central do Leighton Hall, um edifício de três andares onde ficava o Departamento de Religião. Dirigiu-se para a porta que conduzia ao seu gabinete. Este fazia parte de um grupo de salas dispostas em torno de um pequeno espaço comum ao qual se tinha acesso por uma porta, que, não fosse por isso, não chamaria muito a atenção. Quatro outros professores tinham gabinetes no mesmo espaço. Eles, mais um colega, estavam de pé em um dos cantos quando Emily entrou. Ela sorriu, mas o grupinho estava completamente absorto numa conversa meio sussurrada. Depois de um período mais longo que o habitual, um olá emergiu em resposta vindo de alguém do grupo, mas ninguém se voltou para cumprimentá-la. Foi nesse momento que tomou consciência de uma atmosfera estranha que estivera presente durante toda a manhã e que até aquele momento não tinha captado completamente a sua atenção. Um silêncio esquisito tomava conta dos corredores. Seus colegas entreolhavam-se obliquamente e tinham expressões preocupadas.
Apanhando as chaves dentro da bolsa, Emily parou em frente a um conjunto de escaninhos e esvaziou o conteúdo do seu, uma braçada de correspondência: lixo postal que havia deliberadamente deixado acumular por duas semanas. Achava um aborrecimento fazer aquilo todos os dias. Continuava a ouvir as vozes abafadas dos colegas atrás dela. Olhou por sobre os ombros no momento em que encaixava uma chavinha na porta do seu gabinete. Um dos zeladores o encontrou esta manhã, disse uma voz baixa, deliberadamente sussurrada, que Emily pôde entreouvir. Não dá para acreditar, disse outra voz. Tomei café com ele ontem mesmo. Maggie Larson, a professora de Ética Cristã que fizera a última observação, tinha uma expressão sóbria no rosto. Não, pensou Emily consigo quando olhou com mais atenção. Ela parece perturbada. A sua curiosidade se aguçou quando ela percebeu que perturbada também não era a palavra certa. Não, ela parece amedrontada. Emily deixou a chave na posição em que estava na fechadura e virou-se para os colegas. Algo estava absorvendo a atenção deles. Algo que não parecia, ou não soava, bem. Desculpem-me, não quero parecer mal-educada, mas o que está acontecendo?, perguntou, dando um passo na direcção deles. Aquela estranha atmosfera de tensão ia ficando mais densa a cada palavra, mas Emily não sabia de que outra maneira poderia se inserir na conversa deles, já que não sabia de nenhum detalhe, nem mesmo sabia qual era o assunto.
Os outros, entretanto, não pretendiam mantê-la desinformada. Acho que ainda não está sabendo, respondeu uma colega. Aileen Merrin era professora titular da cadeira de Novo Testamento. Ela também fora membro da banca que seleccionara Emily quando ela se candidatou ao seu cargo quase dois anos antes, e Emily, desde essa época, nutria um carinho por ela. Emily esperava que, quando chegasse a época, ficasse tão bem de cabelos grisalhos quanto Aileen. Com certeza não, disse Emily tomando um gole de café frio de um copinho descartável. Feito havia mais de uma hora, tinha ficado frio, mas o acto de erguer o café até os lábios ajudava a disfarçar o embaraço daquele momento com algo um pouco mais normal. Sabendo de quê? Conhece Arno Holmstrand, da História? Claro, respondeu Emily. Todos conheciam o professor que era o baluarte do Departamento de História. Mesmo que Emily não pertencesse aos dois departamentos, o de História e o de Religião, ainda assim conheceria o académico mais famoso e eminente da faculdade. Ele descobriu algum outro manuscrito perdido? Ou foi expulso de algum país do Médio Oriente por ter violado as leis da escavação arqueológica? A seu ver, toda a vez que se fazia menção ao nome de Holmstrand, era no contexto de alguma importante descoberta ou aventura académica. Ele não levou a faculdade à falência com mais uma de suas viagens, verdade? Não, ele não fez nada disso, disse Aileen, que de repente assumiu uma expressão de mal-estar. A sua voz se transformou num sussurro: ele está morto. Morto!?, perguntou Emily, forçando levemente a sua entrada no grupo com um empurrãozinho, abalada com a notícia. De que vocês estão falando? Quando? Como? Ontem à noite. Acham que ele foi morto, aqui no campus. Eles não acham, eles têm certeza, interpôs Jim Reynolds, um especialista em Reforma Protestante. Foi assassinado. Três tiros bem no peito; foi isso que ouvi. Estava à mesa do gabinete. Trabalho de profissional». In A. M. Dean, A Biblioteca Perdida, Conhecimento é poder…, e poder pode matar, tradução de Lenita Esteves, Editora Prumo, 2012, ISBN 978-85-7927-298-1.

Cortesia de EPrumo/JDACT