segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Pedro Fernandes Queirós ou Pedro Fernández Quirós (1565-615). O Descobridor de ilhas. O Visionário de um continente cheio de riquezas. Ilídio Amaral. «… no regresso da viagem de 1595, arquitectou o projecto de fazer a descoberta da mítica “Terra Australis Incognita”, partindo do Peru, de Callao, porto da cidade de Lima»

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Quem era Pedro Fernandes Queirós?
«Nascido em Évora em 1565, Queirós sabe-se muito pouco sobre as suas origens e nos seus escritos aparecem raríssimas referências à família, à infância e juventude, à formação escolar. É um homem enigmático. Prestadas por ele encontrei informações num dos seus relatos de viagens dos anos iniciais de 1600 referindo-se ao facto de ter encontrado em Caracas três sobrinhos, filhos de um irmão de quem não havia sabido em muitos anos e que teria casado e morrido aí; de uma lista feita por ele, provavelmente em 1614-1615, de pessoas que se propunha levar para a colonização das terras austrais, El Capitan Pedro Fernández de Quirós, Francisco de Quirós, su hijo, Lucas de Quirós, su sobrino y Maria de Guevara, su mujer; e num registo da Casa de Contratação de Sevilha, datado de 14 de Março de 1615, Información presentata por el Capitan Pedro Fernández de Quirós /.../ à las Indias con su mujer, hijos y criados ..., feito meses antes da sua viagem de regresso às terras americanas e falecimento no Panamá em 1615. De acordo com algumas fontes mais recentes, como a de Justo Zarugoza na Historia del Descubrimiento de las Regiones Australes hecho por el General Pedro Fernández de Quirós, 1876-1882, e de Ignacio Gracia Noriega em Entrevista de la historia, de 2006, Pedro Fernandes Queirós foi educado pelos franciscanos da Província de Piedade, vizinha da Província de San Gabriel da Extremadura espanhola. Estas províncias eram dominadas por sectores da Ordem dos Frades Menores (Ordo fratrum minorum) em que se incluíam os espirituais, defensores dos princípios fundadores da pobreza franciscana, com a sua ala mais radical, rígida defensora da pobreza absoluta, dita dos zelanti ou fraticelli, e os conventuais reformados ou descalços que queriam adaptar a sua pobreza às necessidades do momento procurando um compromisso com a Igreja institucional, sendo estes mais influentes na área de Évora, com sede em Vila Viçosa, onde eram mais conhecidos por capuchos. Dedicados a uma vida espiritual emocional que procurava imitar a de Jesus Cristo, sobretudo os espirituais alimentavam uma visão milenarista peculiar que antecipava o Paraíso na Terra. No século XV tinham retomado as ideias do abade cisterciense Giacchino Fiore ou Joaquin Fiore (cerca de 1135-1202) recompostas no neo-joaquinismo, e no século XVI as influências da Utopia de Thomas More. Uma das principais contribuições de Joaquin Fiore foi a de ter concebido uma percepção espiritual ou mítica da história da humanidade. Por um lado, estudando as correlações bíblicas chegou à conclusão que as Sagradas Escrituras continham a revelação exacta do propósito de Deus; e, por outro lado, elas permitiam dividir a história da humanidade em três idades ou eras do mundo (de tribuis statibus mundi) de acordo com as três pessoas da Santíssima Trindade. A primeira, a do Deus-Pai, entre Adão e Jesus Cristo, da lei ou da pena de talião incluía Moisés (o Antigo Testamento), em que as figuras importantes tinham sido os profetas; a segunda, a de Deus-Filho, do nascimento de Jesus o Cristo (Novo Testamento), da resolução de conflitos e do perdão mútuo, tendo os sacerdotes como figuras de relevo, ia até ao ano de 1260; e a terceira, a do Espírito Santo, a da inteligência espiritual, da liberdade, do amor universal, da igualdade, sendo as figuras mais importantes os monges, de 1260 até à consumação dos tempos. Surgiria a Nova Jerusalém.
É nos relatos de viagens, mas sobretudo nos Memoriales, que poderá ser visto como estas ideias estiveram presentes no espírito de Queirós e nas suas decisões. Segundo Justo Zaragoza e Gracia Noriega, ainda jovem Queirós mudou-se para Lisboa onde passou a frequentar a Rua Nova, ouvindo dos mareantes que por aí passavam as descrições sobre as terras que iam sendo descobertas. Seduzido pela aventura terá conseguido embarcar como escrivão num barco em viagem pela costa de África e, como o oficio lhe deixava muitos tempos livres, aproveitou-os para adquirir conhecimentos sobre os barcos e os modos de navegar, o que lhe terá permitido, noutra viagem, embarcar como piloto. Entre 1588 e 1589 contraiu matrimónio com dona Ana Chacón Miranda, de 25 anos, natural de Madrid, e ofereceu os seus serviços à Corte castelhana. Do casamento nasceu uma filha em Madrid em 1590. Não era passado muito tempo Queirós partiu para o Peru. Em 1595 embarcou em Callao como piloto chefe de uma Armada comandada por Álvaro Mendaña Neyra (1542-1595), começando assim as suas viagens pelo Pacífico. É de crer que teve outro matrimónio porque na lista de 1613-1614 com os nomes de pessoas que pensava levar para a colonização das terras austrais aparece uma dona Maria Guevara como esposa. A leitura dos seus escritos, sobretudo dos 54 Memoriales publicados por O. Pinochet la Barra, alguns deles muito longos e cheios de pormenores, por vezes repetindo-se, revela um homem profundamente religioso, que invocava Deus com demasiada frequência, persistente, dotado de uma cultura vasta e sólida, conhecedor da historia e das descobertas recentes, da situação de crise não só da Monarquia Hispânica mas também do resto da Europa. Tudo começou quando, no regresso da viagem de 1595, ou durante ela, arquitectou o projecto de fazer a descoberta da mítica Terra Australis Incognita, partindo do Peru, mais propriamente, de Callao, porto da cidade de Lima, e regressar a Espanha pelo Índico e pelo Atlântico, depois de dobrado o cabo de Boa Esperança». In Ilídio Amaral, Pedro Fernandes de Queirós ou Pedro Fernández de Quirós (1565-615), o Descobridor de ilhas, o Visionário de um continente cheio de riquezas “en la parte Austral Incognita” e de Projectos para a sua colonização: quando a História, a Geografia e a Utopia se cruzam (séculos XVI-XVI), Edições Colibri, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-689-446-7.

Cortesia de EColibri/JDACT