quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Festejos no Porto pelos casamentos dos príncipes João com dona Carlota Joaquina Bourbon e e de dona Mariana Vitória com Gabriel Bourbon. Joaquim Ferreira Alves. « O Porto, sendo a cidade depois da capital, a mais illustre do Reino pela sua opulência e grandeza, aproveitou, através da festa apologética do poder»

Cortesia de wikipedia

«O duplo casamento efectuado em 1785 entre dois filhos de dona Maria I (1734-1816/1777-1816) e do rei consorte Pedro III (1717-1786), o infante João (1767-1826) e a infanta dona Mariana Vitória Josefa (1768-1788), com dois membros da Casa Real de Espanha, respectivamente a infanta dona Carlota Joaquina de Bourbon (1775-1830), filha dos príncipes das Astúrias, e o infante Gabriel António Francisco Xavier Bourbon (1752-1788), filho do rei de Espanha Carlos III (1716-1788) e da rainha dona Maria Amália da Saxónia (1724-1760), motivaram grandes festejos nos dois reinos peninsulares. Nas manifestações de júbilo de 1785, que se inserem no designado cycle humain individuel de la famille régnante, encontramos a permanência do esquema da festa barroca. Esta, cujo mecanismo político/artístico se estruturou a partir do Renascimento, com formas herdadas do passado romano e medieval, encontrou nos séculos XVII-XVIII, as épocas da sua total identificação com o poder. O rei, e por extensão a família real, é o actor/espectador por excelência de um ritual complexo, que o mitifica perante uma nobreza dependente da sua liberalidade grandiosa, e um povo quase ausente do seu quotidiano e que apenas o vislumbra. Pela festa, consequência de motivações diversas, nascimento, casamento, aniversário, morte, entrada pública, coroação, vitória militar, o monarca torna-se num objecto de culto. Lugar tenente de Deus na terra, e a quem Deus designa como divino, no conceito de Jaime I (1566-1625), rei da Escócia (1567-1625), da Inglaterra e Irlanda (1603-1625), expresso no Basilikon Doron (Edimburgo, 1599), o soberano vai ser o centro da festa barroca, metamorfoseando-se, por vezes, numa divindade, Febo-Apolo/Luís XIV (Ballet royal de la Nuit, dançado pelo rei em 1653), ou presidindo a um Olimpo familiar, como Jean Nocret (1615-1672) representa Luís XIV (1638-1715) e a sua família. A festa, como imagem do poder, reproduz-se no Ancien Régime nos diversos poderes que o constituem, com programa e impacto proporcional à importância do motivo festivo; da mesma forma, o espectáculo/imagem do poder, que atingiu o modelo acabado no Barroco, será mantido nos séculos seguintes com as diferenças próprias de cada época, com momentos de grande esplendor.
Referidas as motivações, várias questões se levantam em relação à festa barroca relacionada com o poder centrada no mundo português. Se a capital, e principalmente o lugar onde está a corte, é o espaço onde se realizam as principais festividades, estas vão ter repercussão em todo o território. Numa época em que os monarcas quase não se deslocavam, restringindo as suas saídas a uma área limitada à volta da capital, aos espaços das caçadas e excepcionalmente a locais de peregrinação e termais, os momentos festivos serviam para unir todo o território europeu e as colónias à volta da família Real, reforçando assim a ligação natural entre vassalos e os seus soberanos. O despoletar de todo o processo festivo, após a chegada da carta régia que o anuncia, é promovido pelas autoridades locais (Senado da Câmara, Provedor da Comarca, autoridades eclesiásticas e militares) que, além de serem os principais organizadores do programa, vão motivar outras instituições (academias e irmandades) e particulares (nobreza e negociantes estrangeiros), a participar com outras realizações.
O programa era constituído por festas religiosas (tríduos, missas, vésperas, procissões) e profanas (touradas, cortejos, representações teatrais, música e canto, danças e bailes, serenatas, encamisadas, cavalhadas, banquetes e refrescos, luminárias, fogo de artifício), que tinham como palco preferencial o mundo urbano, tanto nos seus espaços abertos (praças, ruas, jardins), como nos espaços fechados (igrejas, palácios, teatros). Apontadas algumas das questões relacionadas com a festa, todas elas constituindo um frutuoso campo de estudo, queremos ainda referir que para a sua concretização são mobilizados escritores, poetas, pintores, escultores, cenógrafos, costureiros, entre outros criadores, assim como artistas e artífices, menos conhecidos, contribuindo todos, através dos seus textos e das montagens efémeras, para a glória do motivo festejado, para a afirmação da sua vassalagem, e para, no tempo festivo, uma parte da população se esquecer das dificuldades de um quotidiano. Toda esta realidade se repetiu nas festividades de 1785 que, ultrapassando Lisboa/Vila Viçosa-Madrid/Aranjuez, os principais locais em que foram vividas, se estenderam do Minho ao Maranhão. O Porto, sendo a cidade depois da capital, a mais illustre do Reino pela sua opulência e grandeza, aproveitou, através da festa apologética do poder, para mais uma vez mostrar a lealdade e amor, que sempre tributou aos seus soberanos.

Festejos no Porto (11 a 29 de Junho de 1785)
Ainda que o duplo consórcio se tenha realizado entre Março/Abril de 1785, só em 10 de Junho é que o Corregedor e Provedor da Comarca do Porto, Francisco Almada Mendonça (1757-1804), recebeu a carta régia, pela qual era informado dos Augustos Desposorios dos Sereníssimos Infantes, e na qual se solicitava que fosse dado conhecimento da alegre noticia ao Senado da Câmara, e se recomendava que se fizessem aquellas demonstrações de jubilo, que a fidelidade dos póvos costuma manifestar em similhantes ocasiões». In Joaquim Jaime B. Ferreira Alves, Festejos no Porto pelos casamentos dos príncipes João com dona Carlota Joaquina Bourbon e e de dona Mariana Vitória com Gabriel Bourbon, CEPESE. Universidade do Porto, História de Portugal, Século XVIII, FLUP, 2014, 000 207 130.

Cortesia de UPorto/JDACT