terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Ensaio. 1258-1264. História Política. O Triunfo da Monarquia Portuguesa. José Mattoso. «Sabemos em que data começaram todas as alçadas: a primeira a 22 de Abril, a segunda a 16 de Maio, a terceira a 10 de Junho […] Os resultados devem ter sido entregues ao rei entre Setembro de 1258 e o fim de Janeiro de 1259»

Cortesia de wikipedia

«(…) Foi, decerto, o conhecimento directo da realidade no Norte do país, tornada evidente para ele e para os membros da sua cúria durante as suas deslocações a norte do Mondego, que levou o rei a decidir reeditar a medida tomada em 1220 por seu pai, Afonso II, de proceder a um rigoroso levantamento dos foros e prestações devidas pelos seus súbditos e dependentes em todas as terras do reino situadas a norte do Mondego. O cadastro dos foros e direitos da coroa que daí resultou constitui um dos monumentos mais impressionantes legados pela administração régia portuguesa durante toda a Idade Média. Não sabemos exactamente quem sugeriu a realização das inquirições. Em teoria, era uma matéria que dizia respeito à administração do domínio régio. Competia, portanto, ao mordomo-mor, Gil Martins, de Riba de Vizela. Custa a crer, porém, que tenha sido iniciativa dele, ou sequer que a tivesse apoiado com grande convicção. Como vimos, Gil Martins tinha acompanhado Sancho II até à sua morte em Toledo. Veio pouco depois para a corte de Afonso III e mostrou merecer suficientemente a confiança do rei para ser nomeado mordomo depois da morte do fiel Rui Gomes, de Briteiros. Mas, como herdeiro das tradições da família da Maia e patrono do mosteiro de Santo Tirso, era um representante típico da nobreza senhorial. Não é fácil acreditar que tivesse defendido a realização das inquirições com grande zelo (no reinado do rei Dinis os principais cargos da cúria tornaram-se meramente honoríficos, ou pouco menos; talvez não fosse assim ainda na época de Afonso III, sobretudo no princípio do reinado; com efeito, verifica-se muitas vezes a intervenção de Gil Martins em actos administrativos, como a concessão de prazos, a demarcação de coutos, etc; aparece também, juntamente com o chanceler, como encarregado pelo rei de fazer executar a ordem para se proceder à segunda alçada (Entre Douro e Ave).
O empreendimento deve, portanto, ter sido decidido sobretudo pelo rei, e a deliberação tomada em conselho régio, provavelmente em Coimbra, onde o rei estava em Fevereiro e Março de 1258. O conselho deve ter ponderado a enorme quantidade de usurpações de direitos régios feitas sobretudo durante a situação anárquica do reinado anterior, de que os mordomos locais davam conta. Era preciso recuperar alguns deles e sobretudo obstar a que o movimento das usurpações continuasse no futuro. O processo escolhido foi o registo por escrito, terra a terra, dos foros e direitos que o rei devia cobrar, incluindo os que tinham sido sonegados pelos senhores leigos e eclesiásticos. O registo obtinha-se por interrogatório dos habitantes de cada localidade e sobretudo pelas informações colhidas dos juízes das terras, dos párocos, dos mordomos régios, dos notários e das pessoas mais velhas de cada lugar. Nomearam-se cinco comissões ou alçadas, cada uma das quais encarregada de percorrer um território relativamente vasto: entre Cávado e Minho, entre Cávado e Ave, entre Douro e Ave, na Beira, e finalmente entre Douro e Tâmega e Bragança.
Os seus membros eram eclesiásticos, como os priores dos mosteiros da Costa, de S. Torquato e de Pedroso, um cónego regrante de Grijó e outro de S. Vicente de Lisboa, um ou outro cavaleiro, um ou outro juiz de certas terras, como os de Bouças e de Vouga, um ou outro cidadão. Além disso, em cada uma das comissões, elemento indispensável, um escrivão do rei. É evidente que todos eles devem ter sido escolhidos com o maior cuidado. Note-se o predomínio dos inquiridores de alguma maneira versados na cultura letrada: os eclesiásticos referidos, todos eles pertencentes a mosteiros situados na periferia de cidades (Guimarães, Porto e Lisboa), os juízes e os escrivães. Sabemos em que data começaram todas as alçadas: a primeira a 22 de Abril, a segunda a 16 de Maio, a terceira a 10 de Junho, a quarta a 30 de Julho e a quinta a 1 de Agosto. Mas só ficou registado o dia em que acabou a segunda, a 23 de Outubro; também sabemos que a quarta terminou pouco depois de 13 de Janeiro de 1259. Os resultados devem, portanto, ter sido entregues ao rei entre Setembro de 1258 e o fim de Janeiro de 1259». In José Mattoso, O Triunfo da Monarquia Portuguesa, 1258-1264, Ensaio de História Política, Revista Análise Social, vol. XXXV, 2001.

Cortesia de RAnáliseSocial/JDACT