sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Arte. Crítica e Sociedade na Obra de Fialho Almeida. Maria Inês Rodrigues. «A instrução secundária do meu país [...] e cansaços de encéfalo, que mais tarde nos faziam entrar na escola superior, cabisbaixos e desinteressados das questões»

Cortesia de mirodrigues

As Máscaras de Fialho de Almeida. Personalidade e Vivências
«Existem vidas fáceis e existem vidas das quais é difícil falar. E existem aquelas das quais é impossível escapar. A de Fialho de Almeida é, sem dúvida, um destes últimos singulares casos. Poderia facilmente supor-se que uma biografia do escritor seria desnecessária para este trabalho, ou porque esta estaria já suficientemente estudada ou porque os pormenores pessoais da vida de um escritor não contribuem de forma definitiva para a interpretação da sua obra. No caso específico de Fialho de Almeida, no entanto, arrolamo-nos o direito de o fazer. A personalidade complexa e fugidia deste homem assim o exige, até porque não deixando de realçar aqui os inúmeros estudos académicos dedicados ao autor, a verdade é que o assunto não se esgota e continua a ser importante dedicar um estudo mais exaustivo à vida de Fialho, que nós aqui, por ser outro o nosso centro de interesse, não vamos fazer. Decidimos, falar da sua vida e não porque seja nosso desejo invadir a privacidade do escritor ou a partir dela emitir juízos de valor, mas porque neste caso a sua vida interferiu directamente e de forma significativa na sua obra. Mais, muito poucos escritores viram as circunstâncias da sua vida particular condicionar negativamente a leitura da obra, como foi o caso de Fialho. O escritor nasceu em Vila de Frades, corria o ano de 1857 e cedo o pai, mestre-escola, o envia para Lisboa, para estudar no Colégio Europeu, experiência que o marcará para toda a vida e que relatará na primeira pessoa da célebre Autobiografia - Eu. No texto, que abre o volume À Esquina (publicado originalmente em 1900), relembra aquele período como tendo sido cinco anos de privações e de maus tratos.
Esta fase da sua vida acaba por influenciar a opinião negativa com que, depois, passa a olhar o ensino em Portugal, um dos muitos centros de interesse (para não dizer alvos) que ocupam a sua mente, a par da política, da crise moral e de costumes e da Arte em geral. Diz, a propósito da educação, no segundo volume d’ Os Gatos e responsabilizando-a pela fraqueza e inércia dos jovens, que: A instrução secundária do meu país [...] lá continua a proporcionar-lhes martírio idêntico aos inolvidáveis que eu sofri, e cansaços de encéfalo, que mais tarde nos faziam entrar na escola superior, cabisbaixos e desinteressados das questões. Este ponto, muito de cariz autobiográfico, vai regressar a espaços intermitentes, ao longo de toda a sua obra, em crónicas, contos e críticas ferozes. Neste mesmo texto, Fialho dá-nos a conhecer um pouco mais do que foi o seu dia-a-dia na escola alemã, onde nas aulas, quase sempre fechadas, sem respiradouros, nem capacidade aérea, nem tiragem, havia constantemente um fétido morno a leite azedo, dos venenos epidérmicos e pulmonares em exalação.
Durante a estada no colégio, a condição financeira dos seus pais, ao invés de estabilizar, piora, e por isso, cinco anos volvidos, em 1871, Fialho sai do internato e emprega-se numa botica, a Farmácia do Altinho, uma botica que era a projecção agravada da existência do colégio, com uma enclausura mais rude, uma fadiga física mais forte, e piorias consideráveis de tratamento e convívio. Foi neste lugar que o escritor, pela primeira vez, se plantou no corpo e no espírito de Fialho, o próprio o confessa na Autobiografia, e os primeiros escritos foram publicados aqui e ali, em vários jornais de província. Primeiro no A Correspondência de Leiria e n’ A Liberdade, em Viseu, mais tarde, em Barcelos, no Aurora do Cávado e por aí em diante, conforme nos elucida Costa Pimpão, no fundamental e mais extenso estudo biográfico alguma vez dedicado ao artista, Fialho. I. Introdução ao estudo da sua estética (1945). Em 1875, o escritor retoma os estudos e conclui os preparatórios com o intuito de depois cursar Medicina e a verdade é que no ano seguinte, encontra-se já matriculado na Escola Politécnica. Entretanto, e por ocasião da morte do pai, interrompe o seu percurso académico e regressa à aldeia natal, onde permanece durante uns tempos para ajudar a família. Não conseguindo manter-se, por muito tempo, afastado de Lisboa, acaba por voltar à capital em 1878 e inscreve-se na Escola Médica. Exercer Medicina acaba por fazê-lo, mas apenas acidentalmente. Contudo, continuou sempre a demonstrar interesse pela área através não só dos seus escritos mas também pela defesa que faz da campanha eugénica, emergente na altura, embora Costa Pimpão não arrisque classificá-lo como eugenista. A verdade é que diagnosticar doenças, só o fez relativamente à sociedade portuguesa do final do século XIX». In Maria Inês Birrento Nascimento Rodrigues, Arte. Crítica e Sociedade na Obra de Fialho Almeida, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 2010.

Cortesia da UCoimbra/JDACT