domingo, 4 de janeiro de 2015

Grandes Soberanos Destronados Sancho II de Portugal Américo Faria. «… explicam que lhe chamaram o Capelo, porque siendo enfermo en su niñez la reina librando su salud en su devocion, le traia vestido en el habito de ordem dei gran Padre i dotor de la iglezia San Agostin»

Cortesia de wikipedia

«Portugal estava ainda mal solidificado nos alicerces das suas fronteiras definitivas. De vez em quando, terríveis incursões da moirama irrequieta faziam estragos nas populações e nas terras, especialmente nas fronteiriças, levando-lhes a descrença quanto à possibilidade de uma vida pacífica. No interior do país também as coisas não caminhavam como seria de desejar. O reinado de Afonso II (1211-1223) fora uma luta constante entre o soberano e o clero. Mas a férrea energia do monarca, o seu prestígio e autoridade lograram neutralizar as ambições dos opositores, entre os quais avultavam, também, os seus irmãos legítimos e ilegítimos. Nesta agitada atmosfera política subiu ao trono, por morte de seu pai, o jovem príncipe Sancho, II do nome, que foi o quarto rei de Portugal, e um dos mais infelizes na longa história do país. Nascido em Coimbra, onde então os monarcas portugueses tinham a sua corte, em 8 de Setembro de 1209, contava ele apenas treze anos de idade à morte de Afonso II.
Desde sempre, fora o príncipe um ente de organismo fraco, a exigir os desvelos da mãe, dona Urraca, que o rodeou de cuidados extremos para lhe defender a saúde periclitante. Sobre o cognome de Capelo, que a História lhe apendiculou à figura melancólica, divergem as opiniões. Escritores há que o atribuem ao facto de Sancho se ter filiado numa Ordem de frades mendicantes, como fez S. Luís, rei de França. Outros, porém, e, entre estes, Faria Sousa, explicam que lhe chamaram o Capelo, porque siendo enfermo en su niñez la reina librando su salud en su devocion, le traia vestido en el habito de ordem dei gran Padre i dotor de la iglezia San Agostin. Para a herança que lhe foi atirada para a personalidade débil não estaria Sancho II devidamente preparado. A sua pouca idade, a sua constituição física e os traços dominantes do seu carácter complacente, pacífico, iriam criar-lhe dificuldades num reino ainda de tão recente formação e inçado de perigos, que ora lhe surgiam dos moiros ora dos ambiciosos vizinhos dos reinos paredes-meias com Portugal.
No entanto, começou imediatamente a reinar. In nomine, pois, na realidade, quem governava em seu nome eram os ministros chanceler Gonçalo Mendes, mordomo-mor Pedro Anes e o deão de Lisboa, mestre Vicente, homens sabedores e enérgicos, cujo exercício vinha já do tempo de Afonso II, com excelentes provas prestadas. Faltando-lhes o sólido apoio de um monarca respeitado, não puderam eles prosseguir com o mesmo êxito e autoridade a obra, encetada no reinado anterior, do necessário fortalecimento da coroa; e sofriam todas as incertezas da menoridade de Sancho II sem terem ao menos a autoridade de regentes, por não haverem sido nomeados, e governarem debaixo, por assim dizer da presidência nominal do rei. As maiores humilhações lhes saltaram por isso ao caminho, reflectindo-se irremediavelmente no prestígio do soberano. Logo de todos os lados, como um assalto, apareceram com reclamações, com exigências, com imposições, muitos daqueles cujas pretensões, nem sempre legítimas, a mão firme de Afonso II havia reprimido. Um rei imberbe era de molde a acirrar as presunções de todos os que se supunham prejudicados pelo trono, ou afigurava-se alvo fácil para o eclodir de muitos desejos de represália.
O arcebispo de Braga, por exemplo, que tão grandes dissídios tivera com o pai de Sancho, mas que fora sempre vencido pelo antagonista, exigiu, e conseguiu-o agora que lhe fossem concedidas vultosas indemnizações, assim como o castigo dos agentes da coroa que, obedecendo apenas a ordens do monarca, tinham tomado parte mais ou menos activa na luta. A satisfação forçada de tais exigências foi o sinal para que outras, de diferentes lados igualmente poderosos, chegassem até ao trono. Os regentes viam-se embaraçados e desamparados para poderem agir com justiça. Todas as igrejas e mosteiros que se sentiam lesados pelas reivindicações de Afonso II surgiram com reclamações junto do filho. Foram também indemnizados. O património real levava sucessivas sangrias. As próprias tias do jovem monarca, sustentadas no que julgavam ser os seus direitos por algumas grandes figuras representativas nacionais, impuseram a certa altura que lhes fossem restituídos as vilas e senhorios que o anterior soberano lhes tinha arrancado. O reinado de Sancho II não começava bem, mas, no entanto, nada deixava prever o seu dramático fim. Complicações no poder pertenciam a todo o mundo...» In Américo Faria e Herdeiros, 1958, Dez soberanos destronados, Grandes Soberanos Destronados, Edições Parsifal, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-8760-00-5.

Cortesia de Parsifal/JDACT