quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Dona Leonor. Princesa Perfeitíssima. João Ameal. «… no crepúsculo da noite de 8 de Dezembro do ano de 1458…, diz-nos frei Jorge São Paulo que assim contraria a indicação, fornecida por Damião de Góis e geralmente aceita, do nascimento a 2 de Maio…»

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Conforme o original

Portugal. Século XV
«Quando no palácio de seus pais, em Beja, dona Leonor vem ao mundo, no crepusculo da noite de 8 de Dezembro do anno de 1458, dia em que a Igreja Catholica celebra a solemnissima festa da Immaculada Conceição da Rainha do Ceo; diz-nos frei Jorge São Paulo que assim contraria a indicação, fornecida por Damião de Góis e geralmente aceita, do nascimento a 2 de Maio, já a Idade-Média acabou, segundo a maioria dos historiadores. De facto, a vélha Europa medieval parece decompor-se; primeiro, através das tremendas dissidências geradas no seio da Igreja, que deram ensejo à longa crise do grande cisma e só encontraram têrmo no Concílio de Constança, quando, uma vez solenemente depostos os dois falsos papas João XXIII e Benedito XIII e eliminado por voluntária renúncia Gregório XII, a unidade se restabeleceu na pessoa do cardial Otão Colonna, erguido em 1417 com o nome de Martinho V; depois, através da indisciplina nos grandes centros de estudos, das querelas em que as escolas divergentes consomem e extraviam a grande herança da Escolástica albertino-tomista e das efervescências e reivindicações, já nitidamente paganizantes, do humanismo em plena ofensiva; depois, ainda, através das incessantes lutas que sobressaltam e ensangüentam a Europa, desde o segundo quartel do século XIV. É oportuno recordar, num sucinto panorama, o que foram essas lutas incessantes.
Antes de mais nada, a famosa Guerra dos Cem Anos, que opôs a França e a Inglaterra num exaustivo conflito, marcado por acontecimentos de vulto: a derrota francesa de Crécy e a perda de Calais em 1346-1347; a nova derrota francesa de Poitiers, dez anos mais tarde, em virtude da qual João o Bom assinou em Brétigny (1360) um tratado desastroso; a vitória britânica de Azincourt (1415), que levou a França a aceitar outro vergonhoso tratado, em Troyes (1420). Mas já despontava a estranha e maravilhosa pastora de Domrémy, atenta às vozes do alto, consagrada à missão de libertar a Pátria invadida. Em dois anos apenas, a situação inverteu-se: os inglêses viram-se obrigados a levantar o cêrco de Orléans (Maio de 1429); passado pouco mais de um mês, Talbot foi vencido em Patay e a Pucelle conduziu a Reims o jovem Carlos VII, e fê-lo coroar, na catedral, como único herdeiro legítimo dos Reis de França. Embora Joana de Arc caísse nas mãos do inimigo diante das muralhas de Compiègne (Maio de 1430) e fosse executada em Ruão um ano depois, a semente estava lançada, os franceses recuperavam a fé em si próprios e nos seus destinos. Prosseguiram a campanha com denodo; o invasor, após as batalhas de Formigny (1450) e de Castillon (1453), só conservou, para cá da Mancha, o enclave de Calais.
Se a França saiu esgotada da Guerra dos Cem Anos, à Inglaterra sucedeu o mesmo. E ei-la precipitada na guerra das duas rosas, ora com vantagem para a rosa branca da casa de York, na pessoa do duque Ricardo, aclamado Protector, ora para o malogrado Henrique VI, que ostenta, através de mil tribulações, a rosa vermelha dos Lencastres. Quanto à Alemanha, a execução do checo João Huss (1415) lançou a Boémia e a Hungria em devastadoras contendas internas, agravadas pelo aparecimento de um chefe valoroso, João Ziska e prolongadas depois da sua morte (1424). Eleito rei dos Romanos em 1440, Frederico III (que casou em Nápoles, por procuração, uma década corrida, com a princesa dona Leonor, filha do nosso rei Duarte) manteve algum tempo atitude ambígua perante a Santa Sé; só em 1452 recebeu das próprias mãos do pontífice Nicolau V as insígnias imperiais. Na Itália, guerras constantes entre as pequenas repúblicas rivais, Génova, Milão, Veneza, Florença, Nápoles, pouco a pouco transformadas em ditaduras e principados, sem unidade e sem força». In João Ameal, Dona Leonor, Princesa Perfeitíssima, Academia Portuguesa de História, Colecção Rainhas e Princesas de Portugal, Livraria Tavares Martins, Porto, 1943.

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