segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Rainha. Mafalda de Mouriana. 1133?-1158. Maria Alegria Marques. «Já no século XII, o seu lustre alcançava uma outra razão para mais brilhar. Adelaide, irmã de Amadeu III de Mouriana (o que viria a ser pai de Mafalda, rainha de Portugal), casava com Luís VI…»

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O casamento do primeiro rei de Portugal. A escolhida: Mafalda de Mouriana
«(…) Contudo, a impedir a tentação, na casa real de Leão e Castela não havia, disponível, mulher que conviesse ao rei de Portugal. As filhas do imperador eram ainda crianças, tanto que só mais tarde haviam de contrair matrimónio, Sancha com Sancho de Navarra (1153), herdeiro de Garcia Ramires IV e Constança com Luís VII de França (1154). E mesmo que se considerasse uma bastarda, que bem serviria à estratégia política de seus pais e irmãos, ainda assim não se achava candidata em idade conveniente ao rei de Portugal. A filha de Afonso VII e da condessa Urraca Fernandes, viúva do conde Rodrigo Martins (1138), era ainda e apenas mais uma criança, que não servia aos objectivos mais profundos do rei de Portugal. Então, a este só restava a busca de uma noiva na Europa de além-Pirenéus. A escolha recaiu sobre uma filha de Amadeu III, conde de Mouriana (1103-1148), como bem recordam os documentos do rei de Portugal, seu genro, marquês na Itália e (1.º) conde de Saboia por concessão imperial, e de dona Matilde de Albon. Pelo lado paterno, a esposa de Afonso Henriques era neta de Humberto II de Mouriana e de Gisela de Borgonha (condal). Era, por isso, simultaneamente prima de Luís VII, rei de França, através de sua tia Adelaide, mulher de Luís VI, e ainda prima do imperador de Leão, embora em grau mais afastado, pois o pai de Afonso VII, Raimundo de Borgonha (condal), era irmão da citada Gisela de Borgonha, sua avó. Era ainda sobrinha-neta da imperatriz Berta, esposa de Henrique IV, o da jornada de Canossa, episódio de reconciliação entre aquele imperador e o papa Gregório VII. Segundo o cronista da Casa de Saboia, Jean d’Orville (que escreveu no início do século XV), esta efectiva aproximação da família ao Império ficou ainda patenteada num outro momento, significativo também, e que foi a coroação imperial de Henrique V pelo papa Pascoal II, em Roma, em 1111. Na comitiva terá participado também o jovem Amadeu, futuro Amadeu III de Mouriana.
No entanto, a ilustração da família, bem como a sua paulatina ascensão, pode marcar-se de bem longe, tendo ocorrido, a última, à sombra protectora do Império. Foi nas peripécias sobrevindas à desanexação dos estados de Carlos Magno e emergência do reino da Borgonha e sua passagem à esfera de influência do Sacro Império Romano-Germânico que a família se começou a evidenciar, no início do século X. Próxima do último rei de Borgonha e de sua viúva, foi em virtude dessa aproximação ao Império que um antepassado de dona Mafalda (seu tetravô, Humberto I, o das Mãos Brancas) se tornou (o 1.º) conde de Mouriana, por mercê do imperador Conrado II. Seguiu-se uma boa gestão dos interesses da família, quer na busca de significativas relações matrimoniais, quer num sábio posicionamento em relação aos problemas que dominaram o Império, mormente as relações com o papado. Pelas primeiras, e ainda nesse século XI, a família de Mouriana alcançou o vale de Susa e o Piemonte, possessões acompanhadas de um engrandecimento da prosápia da família com o título de marquês de Susa ou marquês na Itália. O mesmo século veria uma filha da família, Berta, ocupar o trono imperial, pelo seu casamento com Henrique IV. A fidelidade da família no processo de Canossa valeu-lhe mais territórios, agora na região de Vevey, rica pela sua posição estratégica entre a França, a Alemanha e a Itália. Pela sua implantação, a esta família estava atribuída a responsabilidade da guarda das gargantas do Mont-Cenis e do Mont-Joux (Grande São Bernardo). Pela via do matrimónio do herdeiro da casa, Amadeu II, a família veria chegar-lhe as regiões de Seyssel e Valromey, advindas do dote de Joana de Genebra, sua esposa.
Na geração seguinte, a política matrimonial da família levaria ainda ao consórcio de Humberto II com Gisela da Borgonha, que havia de fazer dele cunhado de Guigo de Borgonha, arcebispo de Vienne, o futuro papa Calisto II e o grande vencedor da questão das investiduras, com a assinatura da concordata de Worms, em 23 de Setembro de 1122. No século XI ficava assim definido o âmbito territorial dos de Mouriana. O último detentor do título nesse século (Humberto II) logrou sabiamente organizar os seus domínios, chamando à fidelização à família condal os vários potentados locais, laicos e eclesiásticos. Já no século XII, o seu lustre alcançava uma outra razão para mais brilhar. Adelaide, irmã de Amadeu III de Mouriana (o que viria a ser pai de Mafalda, rainha de Portugal), casava com Luís VI, rei de França; a sua influência alargava-se e os laços de família abriam-lhe outras portas, a juntar às do Império. Seu filho e sucessor, Humberto III, havia de prosseguir esta política, tendo concertado o casamento da outra irmã sua, Alice, com o futuro João Sem-Terra, enlace que, todavia, não se chegaria a consumar pelo falecimento prematuro da jovem de Mouriana». In As Primeiras Rainhas, Maria Alegria Fernandes Marques, Mafalda de Mouriana, 1133?-1158, Círculo de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4703-8.

Cortesia de CLeitores/JDACT