sábado, 13 de dezembro de 2014

Nietzsche. Da Metafísica à uma Filosofia Estética. Benjamim Góis Filho. «… para Nietzsche, a filosofia, desde Sócrates ou mesmo antes dele (com Anaximandro) é a filosofia da decadência: tratou a realidade como dual, mundo inteligível e mundo sensível»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«O objectivo do presente artigo é reflectir acerca da crítica de Nietzsche à metafísica, como também do deslocamento que a sua filosofia promove de uma perspectiva metafísica para uma perspectiva estética de ver o mundo. Ao contrário da interpretação Heidegger, para quem Nietzsche seria o último dos metafísicos, pretende-se, pensar Nietzsche como um intempestivo crítico da metafísica, como instaurador de uma compreensão de filosofia enquanto uma visão poético-conceitual acerca do mundo».

Da Seriedade dos Filósofos à Inocência do Artista-criança
«Para Nietzsche, o conceito de metafísica está ligado a ideia de que há dois mundos: o inteligível e o sensível. Metafísica tem a ver com a dualidade do mundo e com a superioridade do mundo inteligível, verdadeiro (relacionado à ideia de razão) sobre o mundo da aparência. Metafísica tem a ver com a oposição de valores. Embora geralmente essa dualidade seja atribuída a Platão e depois ao cristianismo, na óptica de Nietzsche, quem primeiro pensou essa dualidade foi Anaximandro ao elaborar a oposição entre o Ápeiron e o mundo temporal (mundo de todas as coisas marcado pelo devir). Ele seria o primeiro filósofo pessimista. O mundo do devir é marcado pela morte, pela decomposição. O que caracteriza o devir é o desaparecer. E se há a morte é porque há a culpa. Na leitura que Nietzsche faz de Anaximandro, segundo este último, haveria uma injustiça: se morremos é porque somos culpados. Entretanto, Nietzsche escolhe Sócrates como um reconhecido entre os sábios, como um emblema para figurar essa dualidade. Quando Sócrates toma o veneno e pede que se ofereça sacrifício a Asclépio (deus da medicina) é um gesto de celebração de quem está se curando de uma doença que é a própria vida. Platão afirmava que a filosofia era uma preparação para a morte. Por isso, para Nietzsche, a filosofia, desde Sócrates ou mesmo antes dele (com Anaximandro) é a filosofia da decadência: tratou a realidade como dual (mundo inteligível e mundo sensível). O juízo de que a vida não tem valor era um sintoma dessa decadência. Nietzsche se posiciona como uma espécie de psicólogo: quer interpretar, captar o sintoma. Nesse aspecto, para ele, toda a filosofia é uma espécie de biografia. Toda a teoria filosófica mostra quem a elaborou. Lê a filosofia como um sintoma. Convida-nos a olharmos Sócrates e Platão de perto. Observar o aspecto fisiológico do pensamento deles: constatar a sua fraqueza. O pensamento socrático-platónico é decadente porque a equação razão = virtude = felicidade = verdade = beleza não existia no mundo grego.
A virtude não é a moral, mas tem a ver com o vigor. A virtude é fisiológica: virtuoso é o que desenvolve ao máximo as suas potencialidades. Ser virtuoso é estar no máximo, e não, ser racional. Para Nietzsche, a razão é pensamento que demonstra sua verdade através de argumentos e isso tem a ver com a dialéctica socrática. Ele responsabiliza Sócrates por introduzir na filosofia a necessidade de provar com argumentos lógicos o que se está afirmando. Entretanto, Nietzsche não acredita que argumentos lógicos provem alguma coisa. Enquanto que os pré-socráticos não desqualificavam outras formas de ver o mundo: a intuição, a religião, segundo Nietzsche, é a partir de Sócrates que outras formas de ver o mundo, além da razão, é desqualificada. Para Nietzsche, o socratismo é a crença na razão. Crença em que só a razão é capaz de fundamentar a verdade, o conhecimento. Crença de que a intuição é incapaz de sustentar o conhecimento. Nietzsche vê em Sócrates essa nova forma de pensar que elege a razão, exclusivamente a razão, como possibilidade de conhecer. Há um desprezo pelo elemento místico e estético em nome de uma verdade exclusivamente racional. Sócrates pecava por sua excessiva lucidez, pelo seu excesso de perguntas. Como destaca Fernanda Bulhões:
  • Se Nietzsche fez de Sócrates um homem símbolo do socratismo foi porque, em sua óptica, ninguém mais e melhor do que Sócrates encarnou essa nova maneira de ser absurdamente racional. Sócrates, o dialético superior, o grande vitorioso dos combates teóricos altamente elaborados da época, foi o primeiro que não só dedicou sua vida a busca incessante do conhecimento como esse seu desenfreado impulso lógico foi a razão de sua morte.
No Crepúsculo dos Ídolos, mais precisamente em O problema de Sócrates, Nietzsche traz à tona um Sócrates plebeu que age reactivamente ao vencer a aristocracia pelo argumento. Sócrates ao aproveitar-se do espírito agonístico (de disputa) dos gregos, inventou um outro tipo de disputa: disputa da palavra. O corpo de Sócrates é fraco, e por isso ele precisa provar, preservar-se. O forte é o que se expande e não se preocupa em se preservar. Embora a necessidade de definir, demonstrar por argumentos o que se está se dizendo, tenha vindo na filosofia com Sócrates, este nunca demonstrou, sempre quis que os outros parissem a verdade». In Benjamim Julião Góis Filho, Nietzsche. Da Metafísica à uma Filosofia Estética, ou Da Seriedade dos Filósofos à Inocência do Artista-criança, PPGFIL, UFRN, Crepúsculo dos ídolos, ou, como se filosofa com o martelo, Companhia das Letras, 2006, Wikipédia.

Cortesia de Wikipédia/JDACT