terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Memórias de Agripina. Pierre Grimal. «Como sabes, dizia ela, eu estava no acampamento, durante esses dias difíceis. Estava com o teu irmão Caio, e esperava o teu nascimento. Tu serias o meu quinto filho, normalmente, tomamos tantas precauções em circunstâncias semelhantes!»


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O Tempo de Meu Pai
«(…) O juramento do casamento era tão sagrado como o do legionário ao seu chefe? A fidelidade que a minha mãe guardava à recordação do seu marido fazia-me suspeitar que, pelo menos algumas vezes, podia ser assim. No meu devaneio, as palavras da minha mãe continuavam a chegar até mim: Morto Augusto, dizia-se-lhes que Tibério César era agora o seu imperator. Também muitos o conheciam. Sabiam que era bravo no combate e um bom general. Mas o quê? Também ele era um velho. Com mais de cinquenta e seis anos, numa idade em que, há já muito tempo, um cidadão não é convocado para o recrutamento, como podia ele ser esse companheiro de armas que eles desejavam? Havia muito tempo que ele não deixava a cidade. Cada vez que anunciava a intenção de ir ter com os exércitos, esquivava-se quando chegava o momento de o fazer. Eles tinham necessidade de um chefe que soubesse ouvi-los e que com seus olhos fosse testemunha dos sofrimentos deles. Ah, certamente, Germânico sabia bem compreender os seus homens. Ele tinha consciência do fascínio que exercia sobre eles. Devia-o, como sabes, tanto ao seu prestígio pessoal como à recordação do seu pai, Druso, que as legiões jamais haviam esquecido. E depois, havia também nele qualquer coisa do seu avô, António, que durante alguns anos, tivera um destino real… Percebi, mais ou menos, que os soldados haviam proposto a meu pai fazê-lo imperador, sem que as razões me fossem completamente claras. Levada pelas recordações, a minha mãe contou-me então como Germânico imaginara uma saída para a situação, na qual um e outro tinham sido postos.
Como sabes, dizia ela, eu estava no acampamento, durante esses dias difíceis. Estava com o teu irmão Caio, e esperava o teu nascimento. Tu serias o meu quinto filho, normalmente, tomamos tantas precauções em circunstâncias semelhantes! Não seria perigoso para mim permanecer no meio de soldados amotinados? Soldados esses que Germânico sabia amarem-nos bem. Tinham um carinho especial por Caio. Haviam-no alcunhado de pequena sandália, tal era a satisfação por o verem vestido como eles. Tudo aquilo me tranquilizava. Germânico fez-me ver que era possível um acidente, que, por muito popular que ele fosse, esse sentimento podia não ser partilhado por todos. Recordou-me como tivera um exemplo disso antes da sua chegada ao acampamento de Colónia. Quando os soldados se ofereceram para o proclamar imperador, ele que conhecia bem Tibério e sabia o perigo que isso podia representar para o Estado, dois imperadores simultâneos era o risco de uma guerra civil, deu a entender que se suicidaria, preferindo a morte ao simples pensamento de uma traição. Retirou a sua espada e deixou, sem se fazer muito rogado, que os seus amigos que o acompanhavam lhe segurassem o braço. A maioria dos soldados presentes aplaudiu. Todavia, houve um que ousou aproximar-se de Germânico e estendeu-lhe uma espada desembainhada, dizendo-lhe que estava mais afiada do que a sua. Ao contar a cena, Germânico acrescentou uma expressão que me marcou, e com a qual aprendi, ao longo da minha vida, a compreender a verdade. Um exército, disse ele tem uma só alma, a que se lhe impõe. É para isso que serve a disciplina. Em tempo de rebelião, as almas revelam-se, exprimem o que são, e então tudo é possível.
Como vês, disse a minha mãe, era preciso ser prudente e esse foi o pretexto que ele teve para levar o drama ao fim que desejava, e que convinha. Aparentemente, a maioria das unidades voltou ao cumprimento do dever. Todavia, ele fingiu pensar que essa calma podia ser enganadora e que era prudente pôr-me em segurança, assim como a Caio e a ti mesma, tu que ainda nem havias nascido! Encenou tudo. Um cortejo de carros acompanhar-nos-ia, a mim, juntamente com Caio, assim como às mulheres e filhos dos outros oficiais superiores que formavam o seu estado-maior». In Pierre Grimal, Memórias de Agripina, Lyon Edições, Romances Históricos, 2000, ISBN 972-8461-51-8.

Cortesia Lyon E./JDACT