sábado, 20 de dezembro de 2014

Breve História dos Judeus em Portugal. Jorge Martins. «… frei Martim Vasques, ‘o primeiro inquisidor português confirmado’. Os seus sucessores foram os franciscanos frei Rodrigo Cintra (1394) e frei Afonso Alprão (1413) e o dominicano frei Vicente Lisboa (1401). Contudo, não existem provas documentais de […] que tenham assumido actos violentos ou sanguinários em Portugal»

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A introdução da Inquisição
«(…) Os tribunais peninsulares da Inquisição (maldita), estabelecidos em Espanha em 1478 e em Portugal em 1536, afastaram-se radicalmente do sentido e da prática das primeiras acções inquisitoriais medievais. Com efeito, o que presidiu à criação do Santo Ofício (maldito) nos Estados ibéricos foi a presença judaica e a cobiça dos seus bens e fazendas. A atitude papal, quer em relação à Espanha, quer em relação a Portugal, não deixa dúvidas quanto à convicção pontifícia de que os reis ibéricos pretenderiam apossar-se dos bens dos crentes na Lei de Moisés. Mas a história da Inquisição (maldita) é muito anterior às modernas inquisições ibéricas. O zelo cristão que estaria na origem da criação da Inquisição (maldita) medieval já continha em si o gérmen da intolerância religiosa que vingaria na Península Ibérica nos séculos XV e (sobretudo) XVI. Foi isso mesmo que aconteceu em relação aos regulamentos da Inquisição (maldita). O concílio provincial de Béziers, realizado após o concílio geral de Lyon (1245), por ordem de Inocêncio IV, estabeleceu o regulamento inquisitorial sobre o modo de proceder contra os hereges, que serviria de modelo para as modernas Inquisições ibéricas. Ali se podem encontrar a obrigação de denúncia de suspeitos de heresia, o anonimato das testemunhas, a aceitação de acusadores e denunciantes desqualificados (criminosos e infames), a possibilidade de condenação dos mortos, o confisco de bens, a destruição das casas onde se acolhiam os réus.
Quanto à Península Ibérica, a Inquisição (maldita) havia entrado desde os primórdios do domínio cristão e Aragão foi palco das suas crueldades. Castela já a conheceria em 1236, facto atestado por uma bula dirigida ao bispo de Palência. As nomeações de inquisidores dominicanos exclusivamente para Aragão, permite-nos crer que só aí existiriam permanentemente no século XIII. Em Portugal não teria entrado a Inquisição primitiva, o que é corroborado pela rejeição de Afonso II às tentativas do dominicano Sueiro Gomes de lançar os fundamentos inquisitoriais no território luso, que as Cortes de 1211 regulamentariam, atribuindo aos prelados diocesanos as penalidades contra os hereges. Embora não haja indícios da sua acção no reinado de Dinis I, eventualmente existiriam inquisidores no nosso território no início do século XIV de acordo com uma bula contra os Templários de Clemente V àquele rei português e com uma outra, de 1376, através da qual o papa Gregório XI incumbia Agapito Colonna, bispo de Lisboa, de nomear inquisidor um franciscano, visto não haver inquisidores neste país. Recaiu essa escolha em frei Martim Vasques, o primeiro inquisidor português confirmado. Os seus sucessores foram os franciscanos frei Rodrigo Cintra (1394) e frei Afonso Alprão (1413) e o dominicano frei Vicente Lisboa (1401). Contudo, não existem provas documentais de que a acção destes inquisidores franciscanos e dominicanos tenham assumido actos violentos ou sanguinários em Portugal, que resumiu a presença da Inquisição (maldita) à nulidade no século XIV e à ridicularia fradesca no século XV ao contrário do que estava a suceder em Espanha, depois de se ter circunscrito a Aragão no início. Mas, mesmo na vizinha Espanha, só em finais do século XV se pode considerar o efectivo estabelecimento de um tribunal permanente.
A partir da década de 80 do século XV, alguns sinais de instabilidade vêm perturbar a relativa tolerância que predominava. Com efeito, as alterações da política oficial na vizinha Espanha quanto aos judeus originaram uma inversão de atitudes desde os massacres de 1391, passando pelos estatutos da pureza de sangue", aprovados em Toledo em 1449, até, à instalação da Inquisição (maldita) em 1478, que culminaria com a expulsão de 1492. Portugal não poderia ficar incólume à nova situação criada às comunidades judaicas vizinhas. O fluxo migratório para Portugal verificado na sequência dos acontecimentos espanhóis de 1391 e das décadas de 80 e 90 atingiriam o equilíbrio instável que se vivia no nosso país desde meados do século XV, agudizando a situação, favorecendo as instigações clericais no seio da população, sempre disposta a exorcizar os seus fantasmas, projectando as suas angústias num qualquer bode expiatório que estivesse mais à medida das explicações intolerantes dos interessados em trazer para o nosso reino o péssimo exemplo castelhano». In Breve História dos Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, colecção Sefarad, 2011, ISBN 978-972-699-920-1.

Cortesia de Nova Vega/JDACT