domingo, 9 de novembro de 2014

Educação. Justiça Social. Martha Nussbaum. «Defenderei a sua superioridade ao ser comparada com as outras abordagens da justiça social inscritas na área da tradição ocidental e quando a confrontamos com as temáticas da igualdade entre os sexos»

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As Capacidades como Direitos Fundamentais: Sem e a Justiça Social
A Abordagem das Capacidades e a Justiça Social
«(…) Algumas dessas diferenças são naturalmente de ordem física: uma criança tem necessidade de ingerir mais proteínas do que um adulto para poder alcançar o mesmo nível de desempenho, e uma mulher grávida precisa de mais nutrientes do que uma que o não esteja. Mas as diferenças pelas quais Sen mais se interessa são as diferenças sociais que dizem respeito a vários tipos de descriminações que se encontram bem enraizadas. Em qualquer país no qual a tradição desencoraje as mulheres a aspirar à educação, há necessidade de uma maior utilização de recursos que seja destinada à literacia feminina do que à masculina. Ou, para citar o seu famoso exemplo, uma pessoa que esteja confinada a uma cadeira de rodas terá necessidade de mais recursos relacionados com a mobilidade do que uma que tenha uma mobilidade normal se ambas necessitarem de um nível semelhante de capacidade de deslocação. (Embora Sen tenda a considerar este exemplo como um caso apenas de diferença física, parece-me que não devemos encará-lo dessa forma: pois uma pessoa numa cadeira de rodas que não tenha a capacidade de se deslocar é, independentemente desse facto, um ser totalmente social. É sabido que os participantes em maratonas que se deslocam em cadeiras de rodas terminam sempre as provas antes daqueles que se servem dos seus próprios membros.
É a falta de condições (rampas, acessos a transportes ou a elevadores, etc.) que normalmente impede a sua mobilidade na vida. O mundo social é destinado às pessoas que possuem um conjunto típico de capacidades e incapacidades e não àquelas cuja condição é atípica. Aparentemente, as ideias de Sen sobre igualdade são importantes em áreas como a da justiça social ou a das políticas públicas visto que, quando uma sociedade dá importância à igualdade entre as pessoas e a situa entre os seus objectivos de ordem social, a igualdade de capacidades deve ser o tipo de objectivo a que atribui maior importância. Como é óbvio, a igualdade é para as mulheres que aspiram à justiça social um objectivo essencial; portanto, e uma vez mais, estas ideias têm uma força e uma importância que são particularmente relevantes no contexto do feminismo. Mas Sen nunca diz até que ponto se devia considerar que a igualdade de capacidade é um objectivo social nem de que forma deveria ela estar associada a outros valores políticos na tentativa de alcançar a justiça social. Assim, a sua argumentação sobre o tipo de relação que deveria existir entre o conceito de igualdade e uma teoria da justiça, continua até agora a ser confusa.
Nesta exposição sustentarei que a abordagem das capacidades é de facto uma forma valiosa para nos aproximarmos da questão dos direitos fundamentais e que ela é particularmente adequada a tudo aquilo que se refere à igualdade entre os sexos. (Uma das formas possíveis de poder utilizá-la, será a de a considerar como uma das bases para os direitos constitucionais dos direitos fundamentais dos cidadãos). Defenderei a sua superioridade ao ser comparada com as outras abordagens da justiça social inscritas na área da tradição ocidental e quando a confrontamos com as temáticas da igualdade entre os sexos. Embora possa estar muito associada ao paradigma dos direitos humanos, nalguns aspectos ela supera-o, o que se torna mais evidente nos domínios das diferenças entre os sexos. E é melhor do que as abordagens que se baseiam na tradição ocidental do contrato social, graças ao modo como encara a questão da prestação de cuidados que são essenciais para alcançar a igualdade entre os sexos, tal como recentemente o trabalho que é realizado pelo feminismo tem vindo a demonstrar.
No entanto, defenderei que a abordagem das capacidades apenas poderá proporcionar-nos uma orientação definida e útil, ou provar que é uma aliada na tentativa de alcançar a igualdade entre os sexos, se se estabelecer um inventário definido das mais importantes capacidades, de um modo não definitivo e sujeito a ser revisto, utilizando as capacidades nele elencadas para realizar um inventário parcial da justiça social, na qualidade de um conjunto de direitos fundamentais sem os quais nenhuma sociedade pode aspirar à justiça». In Martha C. Nussbaum, Educação e Justiça Social, Colecção Contrapontos, Edições Pedago, Mangualde, 2014, ISBN 978-989-8655-34-9.

Cortesia de EPedago/JDACT