quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Aspectos das Relações Diplomáticas Luso-Espanholas. 1814-1821. Castro Brandão. «… o facto de, em Dezembro de 1815, partirem de Lisboa reforços militares para garantirem a segurança e a liberdade do Brasil. Já antes o Governo português prudentemente tomara medidas preventivas. Em 1811 fizera avançar as suas tropas até à margem esquerda do Uruguai»

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«(…) Contrariando esta crescente influência, aumentava o número de adeptos da aproximação espanhola à França e Inglaterra. A destacar-se dos demais, formara-se ainda outra facção fortemente inclinada à aliança das duas coroas peninsulares. Qualquer das tendências contava com apoios específicos e prontos a exercerem pressão sobre o ânimo régio. O momento, de resto, fazia prever renhida luta de bastidores, dada a conhecida pretensão de celebrar os matrimónios de Fernando VII e seu irmão com princesas europeias. Diplomatas e validos disputariam entre si os argumentos mais favoráveis às respectivas causas. O peso inicial do Embaixador Tattistshef enfraquecera, mercê da activa oposição do núcleo pró-português. Por largo tempo enfrentará Sousa Botelho toda a casta de intrigas e os tortuosos manejos dos competidores. Graças, porém, a proeminentes figuras, como os ministros Pedro Cevallos e Miguel de Sardizibal, removeram-se lentamente os derradeiros obstáculos. E a 22 de Fevereiro de 1816 assinava-se o contrato de casamento entre o Infante Carlos Maria Isidro e a Infanta Maria Francisca de Assis. Para Setembro apontou-se o consórcio do monarca com a princesa da Beira Maria Isabel de Bragança.
Não obstante o êxito obtido para a causa portuguesa, surgiria entretanto grave percalço, ameaçando tudo deitar a perder. Em Agosto difundia-se em Madrid a notícia da invasão portuguesa dos domínios espanhóis do Rio da Prata. Ainda que muito vaga, a informação era de molde a provocar grande sobressalto e as maiores desconfianças. Gerando embora imediata celeuma, não houve meios de confirmar a veracidade do facto. E, em boa hora assim aconteceu, pois evitaram-se reacções imprevisíveis, quando se aprontava já grandiosa recepção às Infantas. Arribaram estas ao porto de Cadiz a 4 de Setembro. Ali permaneceram alguns dias, após o que encetaram a viagem para Madrid, onde se celebraram os esponsais. Oportunamente estes se concluíram. Repetindo o recurso à política de matrimónios, cuidava-se de promover um melhor relacionamento entre as duas coroas. E, em princípio, tudo levaria a crer que assim aconteceria. Pelo menos, segundo o ângulo das conjunturas metropolitanas, na ocasião tão afins. Todavia, essa convergência europeia, não encontrava paralelo nas respectiyas possessões d’além-mar.
O Império espanhol debatia-se com a proliferação do fermento revolucionário. Em contraste, nos domínios portugueses, nenhum indício de revolta se assinalara ainda. Na vastidão territorial brasileira a presença da corte impunha-se como factor vigilante e dissuasor. Prova disso, o facto de, em Dezembro de 1815, partirem de Lisboa reforços militares para garantirem a segurança e a liberdade do Brasil. Já antes o Governo português prudentemente tomara medidas preventivas. Em 1811 fizera avançar as suas tropas até à margem esquerda do Uruguai. Retiradas que foram no ano seguinte, logo toda a orla meridional brasileira se vira fustigada pelos insurgentes espanhóis. A tal ponto aquelas incursões se repetiram, que houve absoluta necessidade de lhes pôr cobro. Sobretudo, depois que os insurrectos se viram organizados sob o comando de José Artigas. Perante uma situação cada vez mais ameaçadora, e na falta de efectivos militares suficientes, decidiu a Regência apelar para a Metrópole.
Prontamente, como se disse, embarcaram as forças requeridas. Do Rio de Janeiro, onde o Príncipe Regente lhes passara revista a 13 de Maio de 1816, logo seguirão para Santa Catarina. Ali se juntam às tropas chefiadas pelo marquês de Alegrete e pelo general Curado. Aprestados os contingentes, a 4 de Junho são passadas instruções para o comandante supremo, general Lecor. Exactamente um mês volvido, fará este avançar as suas forças de vanguarda para o Sul, com a ocupação de Laguna a 9 de Julho. Pelo simples cotejo das datas, ressalta de imediato a proximidade entre a partida das princesas para Espanha e o início da futura campanha militar contra Montevideu. Como interpretar, pois, tal circunstância? Dispersos os estudos sobre a matéria, difícil será saber se foi ou não versada conclusivamente. Afigura-se-nos que terá havido, sobretudo, uma casualidade, compreensivelmente justificada. E, assim sendo, tal facto corrobora em favor dos inequívocos propósitos da Coroa portuguesa, coagida a debelar os permanentes ataques dos insurrectos de Artigas. E múltiplos testemunhos documentais o comprovam». In Fernando Castro Brandão, Aspectos das Relações Diplomáticas Luso-Espanholas, 1814-1821, separata de A Diplomacia na História de Portugal, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1990.

Cortesia da APdaHistória/JDACT