sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Onde Fica o Meu País? O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer. Anderson Martins. «… mas por ora, é importante reconhecer a existência de um conflito entre o que podemos chamar de ‘literatura do exilio produzida pelo exilado e literatura do exilio produzida pelo não exilado’»

Cortesia de wikipedia

Aquele precário reino do exilio
«(…) Uma vez que a educação escolar e académica ocidental possui conhecidas bases europeias, não surpreende que o famoso banimento dos poetas em A Republica de Platão seja frequentemente apontado como o exemplo mais categórico da tumultuada convivência que sempre caracterizou as relações entre artistas e intelectuais com as instâncias estabelecidas pelo poder político. A partir desta cena original, a historiografia das artes em geral, e da literatura em particular, tem pesquisado à exaustão as afinidades entre o exilio e a produção artística. Os anelos por Canaã em terras babilónicas e a evocação dos orixás em solo brasileiro, os versos revoltados de Calibã e os versos satânicos de Gibreel Farishta, a poesia de Petrarca e a de Mahmoud Darwish, o jazz nascido nos Estados Unidos e o hip-hop norte americano adoptado por jovens palestinos para expressar a sua animosidade contra Israel, o fado e o flamenco, todos são belíssimos exemplos da exuberante constelação de canções do exílio produzidas nos mais diversos momentos e nas mais complexas circunstâncias que sempre pontuaram a instintiva necessidade humana de simbolização da experiência de separação entre o sujeito e suas origens. Diante disto, os historiadores e críticos literários cunharam o termo literatura do exilio, que, por muitos anos, guiou as análises das narrativas que nasceram do trauma desta separação. Rapidamente, porém, tal conceito começou a revelar as suas imperfeições e limitações. Entre outras, destaca-se a própria ambiguidade que o termo é incapaz de recobrir, uma vez que a literatura do exílio pode ser constituída tanto pelos textos escritos por autores exilados em reflexão sobre a sua experiência quanto por outros, exilados ou não, que adoptem o tema do exilio como fio condutor de suas construções ficcionais. Apesar de unidas pela temática, as diferentes narrativas criadas trazem um problema teórico muito importante para o centro do debate: a experiencia. Este assunto será abordado mais detalhadamente em relação específica com os exilados sul-africanos, mas por ora, é importante reconhecer a existência de um conflito entre o que podemos chamar de literatura do exilio produzida pelo exilado e literatura do exilio produzida pelo não exilado.
Alem desta questão particular, em pouco tempo foi ficando claro que a adopção, especialmente no âmbito do senso comum, do termo exílio para designar de maneira relativamente indiscriminada as diversas formas de deslocamento humano, poderia vir a esvaziar o conceito de sua relevância adquirida nos primeiros ensaios e teses que contribuíram para estabelecê-lo no meio académico. Por esta razão, surgiram novas nomenclaturas em meio as reflexões acerca do impacto do deslocamento espacial sobre o espaço textual, e os teóricos e novos estudiosos foram-se adaptando a termos como literatura da diáspora, literatura migrante e nomadismo literário. Um estudo extremamente instigante e que já percebe a limitação da expressão literatura do exilio foi publicado por T. Eagleton ainda na segunda metade da década de 1960. Talvez um dos aspectos mais atraentes desta obra resida no facto de seu autor ter lançado mão da escrita de autores em exilio na Inglaterra para avaliar a obra de escritores nascidos no país, como E. Waugh, G. Greene, W. H. Auden e D. H. Lawrence. Para Eagleton, o facto de que estes últimos se tornaram exilados em determinado momento de suas vidas precisa ser lido à luz do impacto causado sobre as letras britânicas por artistas estrangeiros que haviam se estabelecido no país anteriormente, como J. Conrad, H. James, T. S. Eliot e E. Pound.
Para Eagleton, a figura do escritor exilado está na base de uma importante distinção entre a literatura britânica do século XIX e a do século XX. Enquanto, no primeiro período, os principais autores seriam aqueles nascidos em solo inglês, no segundo, o cânone das letras britânicas teria sido dominado por autores vindos de outros países. No entanto, a explicação encontrada por Eagleton para este facto depende de conceitos de fraca aceitação na teoria literária actual, como transcendência e universalismo. Em linhas gerais, o autor acredita que os escritores novecentistas, a despeito de suas origens em classes sociais específicas e de seus comprometimentos particulares, eram capazes de transcender as suas subjectividades a fim de criar uma representação universal da sociedade de sua época». In Anderson Bastos Martins, Onde Fica o Meu País?, O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer, Tese, Universidade F. de Minas-Gerais, Faculdade de Letras, Brasil, 2010.

Cortesia da UFMGerais/JDACT