sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O Processo de Damião de Goes na Inquisição. Raul Rêgo. «Em o primeiro dia do mês de Agosto de mil e quinhentos e setenta e um anos, .m Évora, na ermida dos Reis Magos da dita cidade, o senhor licenciado Jerónimo Sousa, comigo, notário abaixo nomeado, por virtude de um precatório dos senhores inquisidores da cidade de Lisboa»

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Testemunho de Helena Jorge
«(…) E assim disse mais que era lembrada dizer-lhe, por ume vez, haverá três anos, pouco mais ou menos, Sebastião Macedo, seu marido, por o dito Damião de Goes mandar naquele tempo um filho para Flandres, que não tinha paciência mandar o dito Damião de Goes seu filho a Flandres, estando lá, a terra tão arruinada nas coisas da fé, a seu parecer. E que assim lhe parece que ouviu também dizer ao dito seu marido, assim agastado do dito Damião de Goes mandar seus filhos a Flandres, que não era mais cristão o dito Damião de Goes que essas paredes ou pedras ou paus. E que outra coisa não sabe do dito referimento, nem ouviu dizer nem fazer coisas ao dito Damião de Goes que lhe parecesse de mau cristão. E al não disse. E lhe foi mandado, sob cargo do juramento, ter segredo no caso. O que tudo disse estando presentes, por religiosas e honestas pessoas, que tudo viram e ouviram, os reverendos padres frei Francisco Santana, guardião do dito mosteiro, e frei Filipe S. José, morador no dito mosteiro, que juraram ter segredo no caso, e assinaram aqui. E ao costume disse a dita testemunha nada mais, que somente ser o dito Damião de Goes tio do dito seu marido. Pedro Álvares, notário do Santo Ofício (maldito), o escrevi, e a assinou ela aqui, juntamente com ele muito reverendo Domingos Simões. Pedro Álvares o escrevi. Helena Jorge. Domingos Simões. Frei Francisco Santana. Frei Filipe S. José.
E ida a dita testemunha, o muito reverendo Domingos Simões fez pergunta aos ditos reverendos padres que era o que lhes parecia acerca do crédito da dita testemunha e se lhes parecia que falava verdade. E por eles foi dito que lhes parecia que a falava, segundo a maneira de seu testemunhar e pola terem por muito católica cristã e por pessoa que falara verdade e tornaram assinar. Pedro Álvares, notário do Santo Ofício (maldito), escrevi. Domingos Simões, frei Francisco Santana, frei Filipe S. José.

Em Évora. Precatório
Os Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade e apostasia, em este arcebispado de Lisboa e sua comarca, etc., fazemos saber ao muito magnífico e muito reverendíssimo senhor doutor Diogo Mendes Vasconcelos, fidalgo da Casa de el-rei Nosso Senhor e do seu Desembargo, cónego da sé da cidade de Évora e Inquisidor Apostólico na mesma cidade e arcebispado e seu distrito, etc. Que, neste Santo Ofício (maldito), está preso Damião de Goes, cristão velho, e porque para despacho de seu processo é necessário o testemunho de sua filha dona Catarina, mulher de Luís Castro, que vive nessa cidade. Se é verdade que o dito Damião de Goes, em um dia de sábado, comeu carne, com dona Briolanja, sua sobrinha, andando ela prenhe, e depois na mesma mesa tornara a comer peixe; e sendo-lhe dito que como comia ele carne no dia de sábado, ele Damião de Goes respondera e dissera que o que entrava pela boca não sujava a alma; e que a isto estava presente ela dona Catarina. Pelo que requeremos a Vossa Mercê, da parte da Santa Sé Apostólica, e da nossa pedimos por mercê, que sendo-lhe este presentado, mande vir perante si a dita dona Catarina, ou ao lugar onde lhe parecer conveniente, e aí a perguntará, conforme ao estilo do Santo Ofício (maldito), pelo conteúdo na pergunta atrás, por ser testemunha referida no sobredito. E virá logo ratificada em forma; e o dito testemunho nos enviará cerrado e selado, por próprio sem suspeita. E isto se diz passar de catorze anos a esta parte. Dado em Lisboa, sob nossos sinais e selo do Santo Ofício (maldito), aos onze dias do mês de Julho, João Velho, notário da Santa Inquisição (maldita) o fez, de 1571. Jorge Gonçalves Ribeiro, Simão Sá Pereira.

Testemunho de dona Catarina Goes
Em o primeiro dia do mês de Agosto de mil e quinhentos e setenta e um anos, .m Évora, na ermida dos Reis Magos da dita cidade, o senhor licenciado Jerónimo Sousa, comigo, notário abaixo nomeado, por virtude de um precatório dos senhores inquisidores da cidade de Lisboa, perguntou dona Catarina, filha de Damião de Goes, preso no cárcere do Santo Oficio da Inquisição (maldito+maldita) da dita cidade de Lisboa, pelo conteúdo do dito precatório e, para em todo dizer verdade, lhe foi dado juramento dos Santos Evangelhos, em que ela pôs sua mão, e prometeu de a dizer. E sendo perguntada se seu pai, Damião de Goes, tinha uma sobrinha que se chamava dona Briolanja, disse que sim tinha; e que muitas vezes vinha a casa do dito seu pai. E, como eram parentes, a dita dona Briolanja se criara com ela testemunha, em casa do dito seu pai. Perguntada se a dita dona Briolanja comia muitas vezes em sua casa, disse que sim e que o mesmo fazia ela testemunha, em casa da dita dona Briolanja». In Raul Rêgo, O Processo de Damião de Goes na Inquisição, Assírio & Alvim, 2007, ISBN978-972-37-0769-4, Peninsulares/57.

Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT