domingo, 26 de outubro de 2014

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Assim apareceu João Peculiar na presença do papa em- Bourges e conseguiu certamente mais uma vez o que desejava; novo privilégio lhe é concedido a 16 de Agosto de 1163»

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Alexandre III
«(…) De certa maneira, era uma repetição do que se passara em 1155; mas a situação não era tão grave, nem de longe. As bulas de Alexandre III eram menos severas do que as dos seus predecessores e, sobretudo, a base política a favor do toletano muito mais insegura: o domínio de Fernando sobre Toledo era discutido e acabou de facto em 1166. Contudo parece que o arcebispo João Peculiar ainda julgou necessário, apesar da sua avançada idade, empreender pela sétima vez a viagem até à Cúria. Acompanhavam-no de novo os seus satélites de Santa Cruz e Refoios de Lima; agora levava ele à Santa Sé, dedicando-lhe como mosteiro isento, também o convento de Lafões que fundara decénios atrás e que entretanto tomara a regra cisterciense.
Especial interesse tem a carta de recomendação de Afonso Henriques a favor de Santa Cruz que o arcebispo desta vez levava. Nela não se contenta o rei com confessar-se filho obediente do papa, como antes, e zeloso e aguerrido miles b. Petri, mas explica ao papa que obrigara a Cúria mais do que qualquer outro príncipe: não só doara a S. Pedro o território herdado, mas conquistara para o património apostólico outras vastas terras, argumento que não podia certamente deixar de produzir efeito na Cúria. Assim apareceu João Peculiar na presença do papa em- Bourges e conseguiu certamente mais uma vez o que desejava; novo privilégio lhe é concedido a 16 de Agosto de 1163, confirmando-lhe os seus sufragâneos, especialmente Zamora, e podendo por isso considerar-se como expressão do restabelecimento de boas relações com a Cúria. E a sua resistência a Toledo foi prosseguida.
Mesmo agora porém não fora resolvido definitivamente; o primado como tal não fora posto de lado. É certo quo o arcebispo João de Toledo desde então nunca mais fizera outra tentativa de sujeitar Braga, tanto quanto os nossos conhecimentos no-lo permitem julgar; mas morreu em 1170, e ao seu sucessor Cerebruno não o deixou dormir a ambição, embora o domínio de Castela tivesse mais uma vez sido repelido e assim faltasse fundamento para imposição de primazia. Segundo a letra, mantinham-se os seus direitos, e quando o arcebispo Gerebruno se dirigiu à Cúria, não se lhe pôde bem negar Alexandre III. Mais uma, vez foi por isso dirigida a antiga ordem a João Peculiar o aos seus sufragâneos, para obedecerem ao arcebispo do Toledo como primaz. A própria bula porém mostra agora claramente que a Cúria deixou de levar o caso muito a sério. Com efeito, em vez dos castigos positivos, que as bulas anteriores impunham: suspensão, desligar os sufragâneos da obediência devida, ou transferência dum bispado para Toledo, apareciam agora, só frases frouxas sobre futuras penas. Assim não se conseguia nada de João Peculiar. Cerebruno de Toledo porém insistia, exigindo novas ordens e bulas papais. Alexandre III obedeceu aos pedidos, mas limitou-se a encarregar o cardeal Jacinto, que havia enviado como legado à Península, de se entender directamente com João Peculiar, para quebrar a sua resistência na questão do primado». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT