segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Latino Coelho. «Magalhães atravessou o Pacifico, trazendo nas suas aguas no rumo de noroeste uma loxodromia de mil e oitocentos e cincoenta myriametros da nossa actual medida iteneraria, que se chama Polynesia»

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NOTA: De acordo com o original

«(…) A necessidade obriga muitas vezes os que governam a parecerem duros de coração para não faltarem aos essenciaes deveres do cargo e a tornarem cruenta a justiça em alguns maus para salvarem de maiores calamidades a muitos bons e innocentes, e sobretudo para levarem a cabo a traça de que depende uma nova conquista social. A idéa, com ser immaterial e, ao parecer, inerme e inoffensiva, tem deixado muitas vezes na sua marcha triumphante um sulco de sangue em seu caminho. Absolvamos pois o nosso Fernão de Magalhães do que teve de cruel o seu procedimento, e sigamol-o outra vez em sua derrota. A 24 de Agosto de 1520 se fizeram de novo ao mar as caravellas. Pouco depois naufragou, na violência de uma borrasca, a nau Santiago, em que ia o piloto-mór João Serrano, sem que houvesse que lastimar a perda da tripulação e da fazenda. Navegaram as quatro caravellas que ainda restavam, até darem fundo n’um rio a que pozeram nome Santa Cruz, e guarecendo-se ali contra os temporaes, e fazendo aguada e provisão do que a terra podia ministrar, a 18 de Outubro se aventuraram de novo ao Oceano.
Em breves singraduras deram vista de um promontório, e por ser em dia em que a egreja celebra as onze mil virgens, lhe pozeram nome Cabo das Virgens, com que ainda hoje é conhecido, e demora quasi no extremo austral do continente americano. Notaram os da nau Victoria que a sul do cabo o mar se ia internando. Reconhecida então a costa, se descobriu que era ali a boca de um estreito a que os homens da caravella chamaram ao principio estreito da Victoria (Gaspar Corrêa diz que lhe pozeram o nome de rio da Victoria. Então se partiu do rio e correu ao longo da costa até chegar a um rio, a que poz nome da Victoria, que tinha a terra alta de ambas as bandas. In Lendas da Índia, tomo II, parte II). Mandou o capitão-mór que as três naus, Concepcion, Victoria e Santo António, se fossem a alcançar noticias mais exactas d’aquelle estreito, em quanto Magalhães na Trinidad os ficava esperando por cinco dias, e indo as caravellas pelo estreito dentro, succedeu rebellar-se a tripulação contra Álvaro Mesquita, que ia n’uma d’ellas por capitão, prendendo-o e fazendo-se logo á vela para Hespanha.
D’este rio, diz Gaspar Corrêa, (chama rio n’este logar ao estreito de Magalhães, como se deprehende do que diz mais adiante: … então o Magalhães, com os três navios, que tinha, se foi pelo rio dentro, porque correu passante de cem legoas e saiu da outra banda do rio) lhe fugiu a nau de Mesquita, que não soube se o mataram ou se foi por sua vontade ; mas um adivinhador estrolico (astrólogo) lhe disse que o capitão ia preso e se tornaram para Castella, mas que o imperador lhe faria mal. Voltaram as duas naus trazendo ao capitão-mór apraziveis novas acerca do que suppunham ser estreito. Como não chegava a caravella de Mesquita, esteve o capitão-mór á sua espera por muitos dias, até que tomando conselho com os outros capitães, determinou engolfar-se no estreito, e navegando sem descobrir em uma e outra costa outros signaes de habitadores, mais do que os fogos que via accesos sobre os serros, saiu a final no Mar do Sul, a 27 de Novembro de 1520, depois de ter gastado vinte e dois dias n’esta derrota. O estreito novamente descoberto recebia o nome de Magalhães, que ainda hoje conserva, e mais uma gloria portugueza ficava memorada nos fastos da moderna geographia.

Um portuguez descobriu o Oceano  navegando sempre desde Hespanha, sem haver como Balboa descoberto das alturas de Quarequa, no isthmo de Panamá, aquelle mar desconhecido, (alguns dias depois de haver Balboa descoberto o Mar do Sul, o hespanhol Alonso Martin achando um caminho desde Quarequa até ao porto de S. Miguel, foi o primeiro europeu que sulcou o Mar do Sul navegando sobre elle n’uma canoa). Magalhães atravessou o Pacifico (que assim ficou sendo chamado aquelle mar pela fama de bonançoso), trazendo nas suas aguas no rumo de noroeste uma loxodromia de mil e oitocentos e cincoenta myriametros da nossa actual medida iteneraria, e na vasta região que se chama Polynesia. Por 16º e 15’ de latitude deu vista de uma ilha deserta, a que chamou de S. Paulo, e mais adiante em 11° e 18’ passou n’outra ilha, a que poz nome dos Tubarões». In Latino Coelho, Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a direcção de Arlindo Varela, Editores Santos & Vieira, Empresa Literária Fluminense, Imprensa Portuguesa, Lisboa, 1917.

Cortesia de Imprensa Portuguesa/JDACT