sábado, 11 de outubro de 2014

A Política Externa Portuguesa e a Aliança Defensiva de 1799 com a Rússia. Castro Brandão. «Intervinha no cumprimento da letra dos Tratados, mas fazia-o tão-somente como potência auxiliar e não como aliada. Outrossim se esclarecia que o apoio seria fornecido à coligação hispano-britânica»

jdact

Elementos para a História Diplomática Portuguesa
«(…) Como é natural, muito influiu para esta decisão a mudança da política britânica. De facto, ao tentarmos compreender muitos passos da intrincada partida que então começara, torna-se imprescindível ter presente os padrões segundo os quais gravitam os nossos contactos externos. A premissa fundamental que dá a chave para a política externa deste período é o princípio de que deve ser entendida em termos de império e não apenas de metrópole. Deste modo, muitas posições assumidas reflectem o particular cuidado em não pôr em causa os fundamentos básicos de uma estratégia tradicional: a orientação atlântica. Ora, incontestável na sua supremacia marítima, a Inglaterra era a única potência que podia garantir num conflito generalizado, a defesa das nossas colónias. A esta razão, já de si poderosa, acresce o facto de naquele momento se verem congraçados os dois gabinetes com quem mantínhamos mais apertadas relações. O papel de um pequeno país na versátil e complexa conjuntura europeia da época não podia ter sido outro senão aquele conscientemente trilhado pelo Ministério português. À falta de preparativos militares e das necessárias condições que os favorecessem, a diplomacia teria de suprir com êxito as consequências dessa realidade. Assim, se para as conveniências continentais nos vamos entregar a um hábil jogo de gabinetes, em função da integridade do Império a nossa atitude será iniludivelmente firme, segura e constante.
Mesmo agora, ao romper com a sua habitual indiferença pelos problemas europeus, Lisboa tomava as mais atentas precauções. Intervinha no cumprimento da letra dos Tratados, mas fazia-o tão-somente como potência auxiliar e não como aliada. Outrossim se esclarecia que o apoio seria fornecido à coligação hispano-britânica, sendo automaticamente retirado uma vez desfeito aquele concerto. Será, pois, na consecução destes pontos de vista que a 15 de Julho e a 26 de Setembro Portugal assinará, respectivamente com a Espanha e com a Grã-Bretanha, duas convenções defensivas. Sobre esta última, insistiu-se sobremaneira para que fosse feita conforme as cláusulas sancionadas pelo Tratado de 1703, determinando a exigência de uma reciprocidade, fecunda à defesa dos nossos territórios de aquém e de além-mar. Para isso mesmo contribuía também a esquadra, já antes aparelhada, com destino a servir de auxílio à flotilha inglesa que operava no Mediterrâneo. A esquadra do Canal, como lhe chamaram, revestia-se de um duplo significado: defendendo a navegação e a própria costa dos ataques da pirataria barbaresca, obrigava a Grã-Bretanha, de acordo com os Tratados, à defesa incondicional das nossas possessões ultramarinas. Daí o grande pesar de Sousa Coutinho quando, pela peste declarada entre os tripulantes, a frota teve de regressar ao Reino, sem ter sequer entrado em acção. O ano de 1794 define-se pela intensa actividade militar que suportou: a guerra dava tréguas à diplomacia». In Fernando Castro Brandão, A Política Externa Portuguesa e a Aliança Defensiva de 1799 com a Rússia, Elementos para a História Diplomática Portuguesa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, INCM, Lisboa, 1974.

Cortesia da INCM/JDACT