sábado, 18 de outubro de 2014

A Mensagem dos Construtores de Catedrais. Christian Jacq. «Ávido de referências da Antiguidade, o imperador Carlos Magno impunha que lhe chamassem David, enquanto Homero era o nome de corte de Angilberto. Uma vontade de incluir o império numa cadeia tradicional, de o colocar como continuador da verdadeira cultura, a cultura dos símbolos»

jdact

Do Tempo das Pirâmides ao Tempo das Catedrais. Partir à Aventura
Das pirâmides às catedrais
«(…) Para explicar um determinado detalhe de um capitel roussillonense, de uma arquivolta saintongense ou de um medalhão normando, segundo escreve com justeza Debidour, somos conduzidos das fábulas de Esopo ao livro de Jonas ou de Ezequiel, das miniaturas irlandesas do século VII aos marfins bizantinos, das moedas galo-romanas aos tecidos sassânidas, da arte copta à arte suméria... Esta filiação directa dos temas e das imagens para além das distâncias aparentemente intransponíveis do tempo e do espaço, a presença da águia de Ganimedes num capitel de Vézelay, as reminiscências da esfinge egípcia, de Oannes, o deus-peixe da Caldeia..., têm qualquer coisa de perturbante quando os encontramos mesmo nas aldeias mais recônditas do interior da França. Há muito que se sabe que as produções das artes ditas menores, nomeadamente os têxteis, foram formas de transmissão da simbólica médio-oriental para o Ocidente. O medievalista Emile Mâle demonstrou que o conhecimento desses objectos serviu de inspiração aos imagineiros da Idade Média ao fornecer-lhes um reportório iconográfico estável.
A Irlanda foi um ponto de passagem particularmente importante para o reportório simbólico antigo. Animais fantásticos, formas geométricas como as suásticas e as rodas cósmicas estão presentes nas estelas e cruzes irlandesas. A iconografia da catedral de Bayeux e o estilo das suas esculturas é um bom exemplo do casamento que se deu entre a antiga arte irlandesa, composta de tradições médio-orientais, e o velho substrato céltico. A cultura sumero-babilónica legou à Idade Média importantes contributos simbólicos. Pensemos, por exemplo, na descrição do paraíso, no tema do dilúvio que põe fim ao reinado dos impuros para reconduzir os justos ao lugar que lhes pertence, na Torre de Babel. Neste último caso, é evidente como uma religião dogmática se opõe ao projecto dos construtores de catedrais. Lembremos também o unicórnio babilónico que se transforma no licorne dos Bestiários da Idade Média, símbolo da pureza do ser contra tudo e contra todos; os grifos, os leões ou as aves que se enfrentam, os quais dão uma imagem da dualidade que o homem, enquanto terceiro elemento, deve dominar; o tema de Daniel entre os leões, que exprime precisamente a ideia que acabámos de evocar e que é a tradução medieval do iniciado sumério ajoelhado entre duas feras prostradas.
Baltusaitis, especialista das relações entre a Suméria e a Idade Média, chamou a atenção para certos detalhes bastante interessantes. Confrontou, por exemplo, uma chave de abóbada da Notre-Dame-en-Vaux (Châlons-sur-Marne), composta por três monstros (quadrúpedes e aves) que formam uma roda, com um motivo conhecido de placas citas ou de fíbulas ditas bárbaras. Estes animais que se perseguem formando uma roda que gira sem parar são uma expressão elementar de um zodíaco, isto é, de uma roda da vida. Bizâncio foi também um importante centro de difusão e influência. O império bizantino, meio asiático, meio europeu, apresentava-se como uma encruzilhada de ideias e de correntes artísticas. Recordemos também que a corte de Carlos Magno, que pretendia rivalizar com a de Bizâncio, sofria fundamentalmente a influência desta e tentava imitá-la.
Ávido de referências da Antiguidade, o imperador Carlos Magno impunha que lhe chamassem David, enquanto Homero era o nome de corte de Angilberto. Não se tratava de um jogo intelectual ou de uma pretensão ingénua mas de uma vontade de incluir o império numa cadeia tradicional, de o colocar como continuador da verdadeira cultura, a cultura dos símbolos.
Para apontar um exemplo preciso de transmissão iconográfica, evoquemos a representação bizantina do Monte das Oliveiras que encontramos ao mesmo tempo no caderno de desenhos do Mestre de Obras Villard de Honnecourt e nas figuras do Jardim das Delícias, composto sob a direcção da abadessa Herrade de Landsberg. Comunidade de construtores, comunidade monacal: a mesma receptividade à transmissão da arte simbólica». In Christian Jacq, Le Message des Constructeurs de Cathédrales, Éditions du Rocher, 1980, A Mensagens dos Construtores de Catedrais, Instituto Piaget, Romance e Memória, Lisboa, 1999, ISBN 972-771-129-4.
                                                                                
Cortesia  de IPiaget/JDACT