sábado, 13 de setembro de 2014

Jorge de Melo em Portalegre. O bispo, a história e a Arte. Manuel Inácio Pestana. «… o bispo Jorge de Melo pensado nesta hipótese quando decidiu escolher para o exílio voluntário uma das povoações mais distantes da igreja da Guarda, situada para além do Tejo, invocação geográfica importante da bula papal?»

jdact e wikipedia

«(…) E logo vem uma proveitosa notícia, autêntica, subscrita desta forma pelo padre Diogo: E ainda hoje estão na cerca de S. Francisco desta cidade umas casas que agora servem dos azeméis dos religiosos e de palheiros, onde pousava este, frei Baltasar, bispo de anel que era pois como se sabe, um coadjutor expressamente destinado às consagrações e ordenações. São muito importantes, em nosso entender, as informações do padre Soto Mayor, importantes para a história de Portalegre, sem dúvida, mas ainda mais para o conhecimento da vida e práticas do bispo aqui instalado. Pormenores inéditos apresentam-se de tal modo sugestivos, como o caso da negociação da rainha e do respectivo diálogo e da referência a desgosto que dele tinha a rainha, assim como da presença deste frei Baltasar como coadjutor, e outros mais sinais que se revelam no texto do Tratado da Cidade, merecem e justificam uma cuidadosa e aprofundada investigação histórica. Construiu, como já se percebeu, à sua custa o Convento de S. Bernardo com muita soma de dinheiro de Alcobaça, preferindo o sítio da Fontedeira em Portalegre ao assento das proximidades de Marvão.
O bispo Jorge viveu, pelo menos nos últimos anos da sua vida, em casas anexas ao Convento, que em tempo do historiador padre Diogo serviam de tulha; nelas falecendo desta vida terrena no dia 5 de Agosto de 1548, óbito que não lográmos encontrar registado nos arquivos locais consultados. Este o perfil do homem e do bispo que veio instalar-se nesta cidade, tornando-a episcopal» e episcopável pela sua presença histórica. Episcopal porque, de facto, Portalegre, inesperadamente residência de um bispo, o da diocese a que pertencia, se tornou por tal razão sede dela, mesmo sem igreja catedral; assento prelatício desde 1516, desta forma; e, de igual modo, tornou-se episcopável, ou seja, capacitada e potencial sede de um bispado, antecipando de 33 anos a realidade consumada em 1549, precisamente um ano depois do falecimento do titular egitaniense. Demonstrou decerto esta feliz circunstância a notoriedade de Portalegre, comparada com outras localidades, mais ou menos importantes da área meridional da diocese, enobrecida desde 1533 (Janeiro 3) como sede de comarca, com sua correição e provedoria.
Por sua morte se partiu o bispado, lembra o padre Soto Mayor, e ficou do Tejo para cá ao de Portalegre (…). E como nesta conjuração, diz ainda noutro passo o mesmo cronista, falecesse nesta cidade, que ainda era vila, o bispo Jorge de Melo, bispo da Guarda. O bispo Julião, refere-se a Julião Alva então prior da diocese de Lamego, que pedira à rainha, de quem era confessor, o fizesse bispo, vendo esta ocasião, não lhe passou por alto. Tratou com a rainha (D. Catarina) e esta com el-rei (João III), que dividissem o bispado e fizessem de um, dois (…). A verdade é que assim se procedeu até à erecção da nova diocese (bula papal de Paulo III) e o bispo Julião Alva veio a tomar posse pela mão do notário apostólico Sebastião Andrade, que fora servidor do bispo Jorge de Melo, já no ano de 1550.
Acaso, quando a outra rainha (D. Maria de Castela) forçou Jorge ao escambo de Alcobaça pela Guarda, se se procedesse à divisão territorial desta extensíssima diocese não poderia ter sido o bispo Jorge o primeiro titular do novo bispado? Teria porventura o bispo Jorge pensado nesta hipótese quando decidiu escolher para o exílio voluntário uma das povoações mais distantes da igreja da Guarda, situada para além do Tejo, invocação geográfica importante da bula papal? Ao confrontarmos em termos cronológicos, os diversos factos históricos que se ligam a Portalegre e nesta cidade se interceptam, parece-nos ser de oportuna reflexão, interrogarmo-nos sobre as possíveis e prováveis relações pessoais de bom entendimento entre o bispo Jorge de Melo e o próprio rei João III. Terá o monarca intervindo de algum modo no projecto de reforma das dioceses do Sul, entretanto iniciada? Recordemos, p. ex., que nas décadas imediatamente anteriores se criaram, por desmembramento de Évora, as de Elvas e Beja. Recordemos também que João III estanciava com frequência em Évora; e entre 1533 e 1536 assim aconteceu sem interrupção, ali estabelecendo por 3 anos sucessivos a capital do reino, por via da peste que assolara Lisboa e pelo gosto e afecto que o atraiam à nobre capital alentejana, aí mesmo onde reunira cortes em 1535 (Janeiro 13) nas quais então, sublinhe-se, estivera presente o bispo Jorge de Melo. Apesar de, e para além dos dislates e irreverências do reverendíssimo bispo, coexistindo num tempo comum e num espaço próximo, poder-se-iam ter encontrado o bispo e o rei, discutindo questões de interesse mútuo, ambos admiradores da arte e da cultura, como se comprova pelas obras que ambos legaram à história». In Ibn Maruán, Manuel Inácio Pestana, Revista Cultural do Concelho de Marvão, Coordenação de Jorge Oliveira, nº 4, 1994.

Cortesia da CM de Marvão/JDACT