terça-feira, 12 de agosto de 2014

Pontos de Vista. Bailon de Sá. «Enfim, a situação é ridícula. A língua portuguesa em Goa não só está em franco declínio mas tem chegado a um estado dum despejo arqueológico. O futuro é brumoso. Os bons jornais e revistas quase que pereceram com os seus fundadores…»

wikipedia e jdact

O Futuro da Língua Portuguesa em Goa
«O dia 19 de Dezembro de 1961 foi um dia mais convulsivo na história de Goa. Política, cultural e linguisticamente marcou ele como a divisória de duas épocas rigorosamente distintas. Se dum lado uns goeses foram surpreendidos de cócoras perante um acontecimento para eles cataclísmico, doutro lado a mór parte viu a matriz da nossa civilização, cultura e língua de antanho, a surgir prometedoramente das ruínas acumuladas por mais de 450 anos de hegemonia e presença portuguesas. Com a libertação houve uma debandada para a metrópole de então, qual povo messiânico a voltar a Terra Prometida; uns julgando que o futuro deles e da sua progénie corria grande risco; outros aterrados perante a incapacidade de aguentar a mudança do modo de vida e língua de que eles pouco ou nada compreendiam; outros ainda pela ignorância de que a mudança política nem sempre pressupõe uma convulsão social e económica. Ilusões de uma parcela do povo que nunca soube pensar e agir independentemente graças à subjugação politica e económica dos colonizadores. Tivemos prosadores de envergadura dum Francisco Luís Gomes, dum José Inácio Loyola, dum Menezes Bragança; poetas consagrados do vulto de Nascimento Mendonça, Paulino Dias, Adeodato Barreto, para mencionar apenas uns poucos, que manejaram o Português com grande perícia e saber.
Verdadeiros mestres. Quase todo o goês ilustrado era conhecedor da língua, pois os serviços administrativos e outros, a política e a instrução eram só em Português, à excepção de umas poucas escolas de ensino inglês e marata. Até nas aldeias falava-se o português, embora fosse ele em mór parte do calibre dos personagens de Jacob e Dulce, (este é um livro pelo satirista Francisco João Costa e que retrata cenas de vida goesa nas províncias em meios onde o português era deturpado em um peculiar calão. O autor tinha o pseudónimo de GYP). O que nos resta hoje são umas pouquíssimas pessoas que eram e continuam a ser verdadeiros conhecedores e cultores do Português; e uma boa parte da classe que o GYP retrata no seu célebre romance. A geração nova, na maioria, balbucia um português macarrónico colhido mormente dos pais que ainda continuam a falar a língua na família e convívio social. Enfim, a situação é ridícula. A língua portuguesa em Goa não só está em franco declínio mas tem chegado a um estado dum despejo arqueológico. O futuro é brumoso. Os bons jornais e revistas de outrora quase que pereceram com os seus fundadores. Nos últimos tempos restava apenas O Heraldo, que foi aos poucos esmaecendo e transformou-se, mau grado seu, em um quotidiano inglês. Houve tentativas dos particulares com o fim de reter a língua e alimentar o seu cultivo. Mas tudo descaiu por falta de apoio adequado para a sua manutenção material. Mas, dirão os indignados e curiosos: por que avivar esta língua dos colonizadores? Há razões de vária ordem. Se em Goa é ela de pouco utilidade na vida política e administrativa, estão os arquivos históricos abarrotados de material em que os estudiosos de história, sociologia e arqueologia podem haurir conhecimentos à farta. Estão o Brasil, Angola, Moçambique e mais sítios onde os portugueses deixaram as suas pegadas e fazem parte integrante da história universal e onde o português é ainda falado e cultivado. Será ele o vínculo entre Goa e estas nações. E não de somenos importância estão as amarras sentimentais de quatro séculos que não podem ser rompidas com facilidade; nem tanto envolvimento bom ou mau, se sacode sem cerimónia e de chofre». In Bailon de Sá, Pontos de Vista, New Age Printers, Goa, Índia, 1998.

Para Álvaro José. Descansa em paz 
Cortesia NAPrinters/JDACT