sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Da Vinci. Maquiavel. Bórgia. O Mundo que eles Criaram. Paul Strathern. «O encontro entre três personalidades tão díspares viria a revelar-se como uma reunião decisiva de espíritos, no que se refere a Maquiavel. Antes, Leonardo desenvolvia a sua visão científica do mundo: a verdade apenas podia ser alcançada através da percepção…»

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Uma Constelação Única
«(…) Leonardo, Maquiavel e Bórgia: à medida que as vidas destes três indivíduos tão díspares se desenrolam, vemos como cada um deles ilustra um aspecto do Renascimento: a sua arte, a sua filosofia e as suas guerras. Bórgia era o actor que se pavoneava no palco, Maquiavel conspirava o argumento sinuoso, enquanto Leonardo pintava o décor e desenhava os engenhosos dispositivos mecânicos que mudavam o cenário. A história conturbada de Itália durante o Renascimento produziu homens de génio, assim como ogres, grande parte das maiores obras de arte conhecidas da humanidade e esquemas ambiciosos como nunca tinham sido vistos antes. Acontecimentos negros e horrendos estavam muitas vezes na base das glórias do Renascimento, e tanto a glória como o horror perpassam nas vidas de Leonardo, Maquiavel e Bórgia.
No momento em que o Renascimento desabrochava em pleno, estes três homens Percorreriam durante alguns meses o mesmo caminho, atraídos uns para os outros em parte pela sorte, em parte por elementos intrínsecos ao seu próprio carácter. No ano de 1502, desde as neblinas do Outono até meados do Inverno lamacento e gelado, Bórgia, Maquiavel e Leonardo viajaram ao lado uns dos outros através de montanhas, vales longínquos e cidades nas colinas da Romagna italiana. Foi um período de um significado extremo e de considerável perigo para todos eles, porque cada um à sua maneira ia brincando com o fogo.
O tempo que os três passaram juntos pode ter sido breve, mas exerceria uma influência duradoura na vida de cada um, de uma maneira ao mesmo tempo grandiosa e mesquinha. Enquanto trabalhou com Bórgia, Leonardo descobriu a paisagem que um dia serviria de pano de fundo misterioso à Mona Lisa; desenvolveu também alguns dos seus esquemas mais revolucionários. Um destes discutiria ele com Maquiavel e, mais tarde, os dois lançariam um vasto projecto que tentava concretizar a ideia ambiciosa de Leonardo.
Bórgia, por seu lado, tinha ambições para estabelecer o seu reino pessoal na Romagna, primeiro passo do sonho grandioso de unir a Itália e de regressar às glórias do Império Romano. Não foi sem motivo que ele adoptou um lema que incluía o seu homónimo da Antiguidade: Ou César, ou nada! Como resultado, Maquiavel faria de César Bórgia o herói de triste fama da sua obra O Príncipe, que chocou o mundo, revolucionou o pensamento político e, em última análise, transformou a visão que a humanidade tinha de si própria.
Espantosamente, o encontro entre três personalidades tão díspares viria a revelar-se como uma reunião decisiva de espíritos, em particular no que se refere a Maquiavel. Antes deste encontro, Leonardo desenvolvia a sua visão científica do mundo: a verdade apenas podia ser alcançada através da percepção, da observação atenta do mundo à nossa volta, em vez de confiar nas autoridades antigas, como Aristóteles. Entretanto, a experiência de Maquiavel nas missões diplomáticas que desempenhara ao serviço do governo de Florença tinha-o ensinado a ver para lá das falsas aparências do comportamento político e a tentar discernir a verdade do que realmente acontecia. O seu encontro com Leonardo levá-lo-ia a procurar uma base científica para o que aprendera. Também Maquiavel acabaria por compreender que a verdade apenas pode ser alcançada através da percepção, da observação atenta, em vez de recorrer aos antecedentes ou à autoridade. Mas, em vez de aplicar o seu ponto de vista ao mundo em si mesmo, aplicá-lo-ia ao comportamento das pessoas que o rodeavam. Na política, o poder era o princípio efectivo. Conquistá-lo e agarrar-se a ele: era nisto que residia a verdade subjacente aos assuntos humanos. E, para Maquiavel, Bórgia viria a encarnar a aplicação implacável desta verdade política. Não havia lugar para a ilusão na busca do poder político». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

Cortesia do CAutor/JDACT