quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Balanço sobre a História Rural produzida em Portugal nas Últimas Décadas. Maria Helena Coelho. «… que desenvolviam as suas teorias interpretativas da problemática histórica, tais como Armando Castro nos seus vários volumes sobre ‘A evolução económica de Portugal dos séculos XII a XV (1964-70)’; “António Borges Coelho”, com as obras “A Revolução de 1383 (1965)” e “Comunas e concelhos (1973)”»

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«(…) A história económica, de carácter embora erudito e descritivo, emerge, de novo, na paleta dos temas historiográficos, no seguimento de historiadores como Pirenne ou Charles Verlinden, entre outros, sobretudo nas obras de Virgínia Rau, em especial os seus trabalhos sobre o comércio do sal, as feiras, mas também as sesmarias. E esta influência da historiografia estrangeira patenteia-se mesmo em historiadores tradicionalistas como Torquato Sousa Soares, que atenta no desenvolvimento do comércio e dos burgos, ou em Avelino Costa que, na sua tese de doutoramento sobre a diocese de Braga, no século XI, durante o bispado de Pedro, apresenta páginas muito inovadoras, e ainda hoje actuais, sobre demografia, produções e rendas agrícolas pagas à Igreja.
Não era ainda o desejado vento da mudança. Basta lembrar que em França, na década de 1930-1940, depois da II Grande Guerra, a história se renovava sob a influência da ideologia marxista e do nascimento da revista Annales. Nascia um novo espírito de investigação que fazia apelo a outras disciplinas, da geografia à sociologia e economia, e não se confinava ao documento escrito nem à história descritiva, mas se abria à história-problema e à reflexão sobre as grandes crises! Obras de Labrousse sobre o movimento dos preços e a crise económica do antigo regime inauguravam uma nova história quantitativa e serial. História que procurava compreender as estruturas da sociedade, analisando as relações de produção, rendas e salários, atentando no jogo das hierarquias sociais, abrindo-se ao colectivo dos grupos e classes, como jogo histórico, e negando-se ao optimismo de campos específicos, em nome de uma história total e global, atravessada por todos os principais fenómenos económicos, sociais e culturais.
Marca maior nas gerações vindouras deixou a obra de Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II (1949). Inaugura-se uma geo-história, descobrindo-se a relação entre espaço e tempo e o diálogo complexo dos ritmos braudelianos da longa e curta duração, do tempo muito longo da relação do homem com o meio, do ritmo lento das civilizações e sociedades e do tempo curto do acontecimento. Essa nova história económica, influenciada pela escola dos Annales e por esse mestre que foi Braudel, surgirá, entre nós, justamente com as obras de Magalhães Godinho, em especial A economia dos descobrimentos henriquinos (1962) e Os descobrimentos e a economia mundial (1963-71), apontando para uma análise de complexos histórico geográficos, uma história total, privilegiando os métodos quantitativos e seriais, que então renovavam a investigação histórica. Muitos serão, depois, os seus discípulos, que dinamizarão a história económica das épocas moderna e contemporânea.
A par deste arejamento da historiografia portuguesa, promissor de boas colheitas, não devemos esquecer o esforço de actualização nos conhecimentos que o Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, e iniciado em 1961, se propunha, compilando artigos temáticos, bem atualizados, da autoria dos melhores especialistas. Em consentâneo, sentia-se também a influência do pensamento de certos autores de formação marxista que desenvolviam as suas teorias interpretativas na análise de vários aspectos da problemática histórica, tais como Armando Castro nos seus vários volumes sobre A evolução económica de Portugal dos séculos XII a XV (1964-70); António Borges Coelho, com as suas obras A Revolução de 1383 (1965) e Comunas e concelhos (1973); ou mesmo Álvaro Cunhal com o trabalho As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média (1975). Foquemos agora mais de perto a história medieval e mesmo a história rural, apresentando dois grandes mestres que formaram escola e um largo discipulado, criadores de novos corpos de mestres e discípulos». In Maria Helena Cruz Coelho, Balanço sobre a História Rural produzida em Portugal nas Últimas Décadas, Conferência, Mestrado em História das Sociedades Agrárias, Universidade Federal de Goiás, 1997, Faculdade de Letra, Coimbra, História Revista, 2 (I), 1997.

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