quarta-feira, 16 de julho de 2014

Onde Fica o Meu País? O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer. Anderson Martins. «… características da diáspora: uma história de dispersão, mitos/memórias da pátria, alienação no país anfitrião (‘mau anfitrião?’), desejo de retorno eventual…»

Cortesia de wikipedia

Aquele precário reino do exilio
«(…) Como é comum em toda tentativa de se estabelecer uma taxonomia no campo das ciências humanas, Suvin ocupa boa parte do seu artigo debatendo as chamadas áreas cinza de sua categorização. Realmente, desde o principio fica claro para o investigador que nem sempre é possível distinguir de maneira inequívoca um exilado, um cidadão da diáspora, um refugiado ou um imigrante. No entanto, é preciso ao menos identificar algumas características particulares de cada um destes grupos a fim de que as semelhanças e confluências não impeçam a compreensão de que existem demandas específicas a cada uma das diversas modalidades de migração. Na taxonomia de Suvin, o grupo do exilado inclui muitos dos intelectuais que se viram forçados a deixar seus países durante a vigência de regimes ditatoriais e períodos de conflito armado. Podem ser citados como exemplos os cientistas e académicos judeus que se estabeleceram nos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial e os intelectuais e artistas da África pós-colonial que foram forçados a se mudar para a Europa e América do Norte nos primeiros anos do nacionalismo pós-independentista. O grupo dos refugiados se confunde um pouco com o dos emigrados, especialmente porque a imprensa actual, em seu duplo papel de formadora de opinião e árbitra dos usos da língua,  prefere usar o primeiro termo para nomear as massas de desabrigados criadas tanto pelos conflitos políticos quanto pelos desastres naturais e pelas crises económicas. Seguindo Suvin, porém, é possível tratar como refugiados aos milhares de libaneses que se estabeleceram no Brasil após a invasão do sul do Líbano por tropas israelenses na década de 1980, enquanto as primeiras levas de sírios e libaneses que vieram para o país no início do seculo XX podem ser chamadas de emigrados, já que a principal motivação para o seu deslocamento foi de ordem económica.
Finalmente, entre os exemplos de expatriados normalmente se incluem, por exemplo, os artistas norte-americanos que se estabeleceram na Europa após a I Grande Guerra muito mais por opção profissional do que por qualquer outro tipo de pressão externa. Em relação aos intelectuais provenientes das jovens nações recém-independentes da África e Ásia, alguns também se enquadram nesta categoria. Entre estes, especialmente nos últimos anos, muitos passaram a desempenhar tarefas importantes no meio académico, por exemplo, alternando seus períodos de actividade entre continentes diferentes. O esforço conceitual de Suvin serve de ponto de partida para a tentativa de diferenciação entre alguns dos pontos de sustentação do estudo das relações entre o deslocamento espacial e o trabalho literário. No entanto, algumas ausências são sentidas no seu ensaio, especialmente no que diz respeito aos termos diáspora e migração. A frequência com que o conceito de diáspora é mencionado nos estudos culturais e literários actuais criou o risco de apagamento das fronteiras entre, por exemplo, o que se entende por diáspora e o que se tem em mente quando o termo exilio é empregue. Diante das dificuldades que tal indiferenciação pode ocasionar, muitos autores vêm-se esforçando no sentido de mapear de alguma forma estas noções, as quais, ainda que possuam diversos elementos em comum, também apresentam diferenças que não devem ser ignoradas.
Num texto bastante elucidativo intitulado Diásporas, James Clifford recorre a uma clássica definição da diáspora, de autoria de Safran, para, em seguida, procurar compreender a maneira como tal conceito tomou novas colorações no interior do discurso académico. Segundo Clifford, Safran define as diásporas do seguinte modo:
  • Comunidades minoritárias expatriadas, que se encontram dispersas a partir de um centro original na direcção de ao menos dois locais perifericos; que mantem uma memória, visão, ou mito acerca da sua pátria original; que acreditam que não são, ou talvez que não possam ser, totalmente aceitas pelos países anfitriões; que vêem o lar ancestral como um local de retorno eventual, quando o momento propício chegar; que estão comprometidas com a manutenção ou restauração desta pátria natal; e das quais a consciência e solidariedade do grupo são significativamente definidas por esta relação continuada com a pátria (...). Estas são as principais características da diáspora: uma história de dispersão, mitos/memórias da pátria, alienação no país anfitrião (mau anfitrião?), desejo de retorno eventual, apoio permanente da pátria e uma identidade colectiva marcadamente definida por esta relação.
Ao tentar estabelecer uma distinção entre a diáspora e o exilio, Peters segue um caminho que acaba por criar algumas confluências e divergências entre os conceitos de Suvin e os de Clifford. Segundo Peters (1999), o exílio sugere um banimento doloroso ou punitivo da terra natal. Alem disto, seja voluntario ou involuntário, o exilio geralmente implica um facto traumático, um perigo iminente, normalmente político, que faz com que o lar não mais seja habitável com segurança». In Anderson Bastos Martins, Onde Fica o Meu País?, O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer, Tese, Universidade F. de Minas-Gerais, Faculdade de Letras, Brasil, 2010.

Cortesia da UFMGerais/JDACT