sexta-feira, 11 de julho de 2014

Do Iluminismo Pombalino. Afirmação Arquitectónica Romântica em Portugal. António Santos Leite. «… a Rainha, o Príncipe Regente, a Família Real, a Corte, serviçais, […] do que puderam levar, em 8 naus, 4 fragatas, 3 brigues, numerosos navios mercantes, todos comboiados por 4 naus inglesas…, embarcaram para o Brasil, partida efectiva em 29…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Deste modo, numa realidade sociocultural que começava cada vez mais a assumir-se em torno das referências de um modelo revolucionário e de um modelo conservador, vai instituir-se em Portugal a vigilância e censura do Estado às ideias vindas da Revolução, processo que viria a revelar-se claramente com o alinhamento da coroa, apesar de esta se manter formalmente neutral, com a corrente conservadora; …a indecisão da nossa política tão ridicularizada pelos historiadores explica-se, (…) pela existência de dois partidos em Portugal: um francês (revolucionário e liberal), outro inglês (conservador e tradicionalista), cujas forças se equilibravam... Neste contexto, não podemos deixar de registar mais uma vez as ambiguidades e contradições culturais existentes na elite governativa, que tanto promovia a construção anacrónica da obra da Estrela, como coetaneamente prosseguia a lenta reconstrução pombalina e Pina Manique, antigo colaborador de Pombal e responsável directo pela repressão, patrocinava a construção de uma efémera cidade iluminista de desenho neoclássico, a actual Manique do Intendente.
No entanto, com a evolução política causada pelo desfecho da Guerra do Russilhão e posteriormente pela acção de invasão franco-espanhola de 1801, o aparente equilíbrio político existente em Portugal vai tender a ser invertido, assumindo então o partido francês um novo protagonismo, facto que é demonstrado pelo efectivo bloqueio dos portos portugueses aos navios ingleses. De facto, esta conjuntura pró-francesa, só viria a ser desfeita por ocasião de uma nova aliança com Inglaterra realizada em 1807, alinhamento que implicou um acordo de protecção com a Casa Real de Bragança que, para além de outras condições, estabelecia a possibilidade de transferência da coroa nacional para a colónia do Brasil, facto que veio a confirmar-se em Novembro de 1807 pela acção invasora do exército francês; Junot …a 17 de Novembro estava na fronteira, em Alcântara; a 24, em Abrantes; a 27, a Rainha, o Príncipe Regente, a Família Real, a Corte, serviçais, cerca de 15000 pessoas e imenso recheio de paços, do que puderam levar, em 8 naus, 4 fragatas, 3 brigues, numerosos navios mercantes, todos comboiados por 4 naus inglesas…, embarcaram para o Brasil, partida efectiva em 29; a 30, Junot entrava em Lisboa...
As Invasões Francesas, concretizadas a partir de 30 de Novembro de 1807 no território português, realizadas por tropas franco-espanholas sobre o pretexto da defesa e protecção da ...maligna influência inglesa..., vieram assim a restabelecer a influência francesa, que apesar de já não possuir o ímpeto revolucionário inicial e de se encontrar agora controlado pela organização do Império Napoleónico, implicou ainda assim quer a promoção radical dos valores promovidos pela política expansionista do Império, quer a subjugação evidente de algumas das antigas elites nacionais. No entanto, esta subjugação que efectivamente se viria cada vez mais a evidenciar-se, não se traduziu objectivamente numa concreta imposição sob a ameaça da força, já que esta assentava em grande medida sobre a consolidação de uma facção política e cultural nacional.
Concretamente, esta realidade manifesta-se no acordo tácito e na aliança governativa que existiu inicialmente na primeira invasão francesa entre as forças políticas nacionais e as entidades ocupantes, realidade que não deve ser estritamente percebida sobre uma relação política, mas, subliminarmente, por uma vontade genuína de adesão a um novo referencial socio-cultural, seja por parte das instituições, que vão começar a reformar-se segundo a prática francesa, seja por parte de algumas elites que aderiram de facto aos valores ideológicos por ela representados. Estes valores, que se detectam significativamente nas elites políticas e artísticas, vão assim defender e divulgar valores revolucionários ligados ao modelo político francês de base constitucional, modelo que assentava sobre a valorização da liberdade individual e sobre a universalidade do direito público, reorganizado segundo uma divisão tripartida (governativo, legislativo e jurídico), modelo que posteriormente se irá consagrar com as lutas liberais após 1820; neste quadro de mudança, acentuam-se inevitavelmente profundas mudanças de gosto que tendem a reflectir as facções culturais em confronto, processo que pode explicar, pelo menos em parte, as preferenciais circunstanciais entre um neoclassicismo francês de estilo Império e um neopaladianismo inglês, com aplicações evidentes quer sobre a perenidade da Arte e a Arquitectura, quer sobre as cíclicas e efémeras modas culturais que rapidamente influenciam o mobiliário ou o vestuário». In António Miguel Santos Leite, Do Iluminismo Pombalino à afirmação Arquitectónica Romântica em Portugal, Artitextos, Lisboa, CEFA,Universidade Técnica de Lisboa, 2009, ISBN 978-972-9346-12-5.

Cortesia de UTLisboa/JDACT