terça-feira, 10 de junho de 2014

O atentado contra Miguel Vasconcelos em 1634. António Oliveira. «… tratava-se de uma cópia do parecer político e moral, no que diz respeito a corrupção, dado por Diogo Soares em 1634 para guia da princesa Margarida, sobretudo naquilo que não devia fazer…»

Princesa Margarida
Cortesia de wikipedia

«A oposição contra o autoritarismo do conde-duque de Olivares manifestou-se, em 1634, através de profundo significado político (problemática muito vasta; pretende-se tomar posição na tentativa de assassínio político de um dos símbolos da opressão, levantamentos populares sob o domínio filipino). Uma delas concentra-se no atentado contra a vida de Miguel Vasconcelos e do irmão, Prior de Avis, levada a efeito no princípio do mês de Maio. A atitude ambivalente da classe senhorial, tanto da portuguesa como a de outros reinos da monarquia hispânica, se apoiava a coroa, enquanto beneficiária, não deixava de opor-se quando a soberania atentava contra os seus privilégios. Para defender-se, usando o aparelho de Estado que detinha, colocava-se numa atitude de resistência civil, quer obedecendo, mas não cumprindo, quer usando de outras atitudes hostis. Resistência levada a efeito em Portugal, no tocante à elite de poder, em nome do interesse do povo, sendo designados os defensores dos privilégios nacionais, por esse motivo, de populares, de repúblicos, de patronos das austeridades de Portugal y de sus fueros. O governo de Madrid reconhecia, pelo menos em 1634, que el pecado de la popularidad [era] casi comum a la nobleza.
Por isso mesmo, e na aplicação do aforismo clássico de dividir para governar, procurava faborecer al Pueblo y a los de menos nobleza contra los de la primera calidad sin mostrar que se haze sino que no se ha de consentir sean oprimidos y desestimados. A desestabilização estava precisamente na contraditória união da nobreza com o povo, possível e temível dentro do nacionalismo português e do oportunismo da classe dirigente, como nas ocasiões em que o poder soberano atentava contra os seus privilégios em matéria fiscal, tornando tributário o sangue e merecimento (temor bem sentido por Olivares ao tempo dos levantamentos em Portugal em 1637). Não admira assim, e sem contradição, que a nobreza, no período filipino, houvesse recebido mas quantiosas mercedes que en todo el tiempo de los señores Reys de Portugal (afirmações de Diogo Soares, num momento antinobiliárquico do governo de Madrid, que suscitaram à margem da minuta em que foram exaradas, no referente ao texto se escuse ajuntando capitolos a la administracion de la fazenda. Qual foi a redacção final?).
Os populares, através da nobreza titulada (condes) e dos graduados universitários, detinham os postos-chaves da administração. Constituíam uma parcialidade que fazia os possíveis para impedir a entrada no governo de indivíduos que lhe não fossem afectos, en tal forma que en muchos tempos todo andó en los suyos (tratava-se de uma cópia do parecer político e moral, no que diz respeito a corrupção, dado por Diogo Soares em 1634 para guia da princesa Margarida, sobretudo naquilo que não devia fazer; servir-se dos desafectos ao governo de Madrid; foram estes, principalmente os visados pelo censor político, embora nomeando todos os principais; posteriormente, Novembro de 1634, foram redigidas informações secretas [?] semelhantes com a advertência de que a princesa Margarida poderia usar delas; estas notícias coincidem e referem-se sobretudo apenas aos principais ministros; por hipótese, o documento poderia ter saído da Junta Secreta que apreciou o memorial do secretário de Estado; o seu autor parece ignorar o exacto prenome do cunhado de Diogo Soares, havendo-o deixado em branco na minuta). A parcialidade infecta, dominando o governo, opunha-se, assim, a tudo que Madrid ordenasse contra seus interesses (os cabeças da parcialidade eram Diogo Silva, conde que foi de Portalegre, o irmão, marquês de Gouveia, Diogo Castro e o filho Miguel, embora os dois primeiros, em 1634, não estivessem por motivos particulares, unidos como dantes aos segundos; Diogo Silva, chefe incontestado, era de los mas entendidos hombres de Portugal, de muy levantados pençamentos por naturaleza y piença que nadie llega a lo que el alcança; era tido como pai da pátria e um dos oráculos todos entendiam que a vontade de Diogo Silva era en Portugal sempre oposta à delRey & que levava consigo tantas, que todas juntas formavão hum muro incontrastável, o qual de força se havia de romper primeiro, que se pudesse introduzir a forma dos decretos reais, & sua obediência, porque a Bobreza & Povo, tinhão por sospeitosas aquellas resoluçoens que não rubricava o aplauso do conde Diogo Silva).
Nestes termos, não admira que se recomendasse à princesa Margarida que fosse considerado como morto. Assim era tido em Madrid, depois da ousadia que teve em deixar o governo, em Abril de 1627, sem licença régia. Por esse motivo houve quem tivesse votado, no Conselho de Estado, que lhe fosse cortada a cabeça, acabando por prevalecer que fosse desterrado de Lisboa y se hiziesse quenta que era muerto. Pela desobediência, como reconheceu Madrid, algunos del Pueblo le tienen por republico, sendo o que em Portugal tinha mas authoridad, y séquito. Uma forma de vencer a desobediência às leis, de furtar-se à burocracia institucionalizada, tópico comum a outros reinos da monarquia, encontrou-a Olivares, entre outros meios, na formação de juntas à margem dos conselhos, constituídas por gente da sua confiança política e disposta a devotar-se ao serviço do rei sem preocupação da perda de popularidade. Assim aconteceu, entre tantas outras vezes, em 1631, ao ser criada a Junta da Fazenda e, em 1634, a Junta encarregada de tratar da renda fixa». In António de Oliveira, O Instituto, Auro Pretiosior, Universidade de Coimbra, Revista Científica e Literária, Coimbra Editora Limitada, volumes 140/141, Coimbra, 1980/1981.

Cortesia da UCoimbra/JDACT