domingo, 15 de junho de 2014

Lisboa. Encruzilhada de Muçulmanos Judeus e Cristãos. 850º Aniversário da Reconquista de Lisboa. Paulo Pereira. «Certo é que tudo isto se passou numa altura em que a maior parte das cidades europeias não despendiam ainda uma atenção preocupada e prioritária para com os vestígios arqueológicos…»

Cortesia de wikipedia

Arqueologia na Grande Cidade
«A percepção histórica do tecido urbano antigo não dispensa, hoje, os contributos da arqueologia urbana. O tema em si é vasto e complexo. Porque, de início, a arqueologia em cidade começa por ser uma espécie de mal menor, nascendo de intervenções de grande escala com impactes previsíveis nas estruturas de cuja presença se suspeita no subsolo da cidade ou de projectos de investigação motivados por iniciativas pontuais. Em Portugal, um dos primeiros exemplos de arqueologia urbana propriamente dita data de 1960, mais precisamente quando da abertura da estação de Metro do Rossio-Praça da Figueira, que interferiu com os testemunhos arqueológicos do pretérito Hospital de Todos-os-Santos e de uma necrópole romana. Este exemplo não foi esquecido e bem se pode dizer que através deste exemplo lisboeta, conduzido pioneiramente por Irisalva Moita, se entrou precocemente no ciclo da arqueologia urbana qualificada. Mas também, convém dizê-lo, a infra-estruturação do subsolo lisboeta foi tardia, fruto das conjunturas políticas e sociais da altura, ao contrário do que aconteceu nas outras grandes capitais europeias, que foram objecto de grande planos de fomento viário e de ampliação de redes durante os anos 60 e 70 mediante um grande boom desenvolvimentista que atingiu o seu termo quando da primeira crise petrolífera. Daí em diante, assistiu-se a um esfriamento destas iniciativas; e Portugal, país deprimido, não abriu frentes de trabalho em número suficiente ao ponto de se poder falar na consolidação daquela experiência precoce.
Certo é que tudo isto se passou numa altura em que a maior parte das cidades europeias (com a excepção de Londres que instituiu o seu Museu da Cidade impulsionado em grande medida pelos trabalhos levados a cabo no seu subsolo) não despendiam ainda uma atenção preocupada e prioritária para com os vestígios arqueológicos. Aliás, é ainda possível entrever (e rever) as passagens memoráveis desse filme de Fellini em que a cada passo os promotores do metro local se deparam com achados arqueológicos inestimáveis que logo se perdem ou tragicamente se esfumam, construindo assim uma mitologia moderna e urbana que acabaria por dar os seus frutos. Pelo menos desde meados dos anos 80, e acompanhando a implantação e consolidação dos estudos de impacte ambiental e as respectivas avaliações, mas também momentos de crispação bem situados no tempo e no espaço (quando se corria o risco de perder importantes testemunhos arqueológicos, como foi o caso de Bracara Augusta) as grandes intervenções nas cidades com reflexos no subsolo passam a ser sistematicamente condicionadas à realização de trabalhos arqueológicos, por via da aplicação dos dispositivos legais elementares (tais como a Lei 13/85) e através de um sistema de pareceres vinculativos devidamente estribado numa forte prática administrativa assegurada pelo IPPC e pelo IPPAR, que lhe sucedeu institucionalmente, e a que se juntou o IPA.
Mas estas actuações eram e continuam a ser em si mesmas problemáticas. A maior parte das vezes não se consegue ainda proceder a uma verdadeira actuação que privilegie uma filosofia de trabalhos arqueológicos preventivos que substituam e antecipem uma arqueologia de emergência e de salvamento, esta muito mais condicionada do ponto de vista científico e do ponto de vista dos seus resultados práticos. É evidente que a classificação de imóveis e de conjuntos com a respectiva instituição de servidões administrativas permite tomadas de posição que salvaguardam o património arqueológico, quer por parte da administração central, quer por parte das autarquias. Também, a cada vez maior qualificação do poder autárquico tem possibilitado o enquadramento de trabalhos arqueológicos, que acompanham o interesse que o poder local passou a dispensar ao património em geral. Naturalmente que a extensão desta práticas ao todo territorial exige uma pedagogia patrimonial mais activa, bem como a constituição, nos próprios municípios, de gabinetes apetrechados para acções deste tipo, o que só se tem verificado em grandes cidades. Os pequenos municípios, porém, podem igualmente atingir este desiderato através da sua associação mutual, criando bolsas de investigadores sustentados em regime de pareceria, e que possam responder em regime ambulatório a situações supervenientes. Uma política nacional de arqueologia deverá contemplar a forma de contratualização entre os municípios e a administração central de modo a assegurar a existência desta unidade de pesquisa e de acompanhamento». In Paulo Pereira, Arqueologia na Grande Cidade, Lisboa, Encruzilhada de Muçulmanos, Judeus e Cristãos (850º aniversário da reconquista de Lisboa), Projectos Portos Antigos do Mediterrâneo, Acção Piloto Portugal/Espanha/Marrocos, FEDER, Edições Afrontamento, Porto, 2001, ISSN 0872-2250.

Cortesia de EAfrontamento/JDACT