domingo, 22 de junho de 2014

Lisboa. Arquitectura e Urbanismo. José Augusto França. «… devidas a grandes tremores de terra como os de 1531, de 51 ou de 97, este último, aliás, causador do pavoroso abatimento de parte do monte de Santa Catarina. Na zona oriental da cidade verificava-se também um desenvolvimento urbano, pela Graça e pelas Olarias, e do arrabalde da Sra. do Monte…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Cidade Medieval
«(…) Entretanto, também as ordens religiosas se tinham instalado na cidade: logo os Agostinhos, em S. Vicente, a seguir à conquista, os Franciscanos cerca de 1217 e os Dominicanos depois, cerca de 1240, uns junto da Igreja dos Mártires, no monte Fragoso que tomou o nome de S. Francisco, os outros no Rossio, já então enxuto e que a partir do seu convento se definiu. Também perto de S. Francisco (ao fundo do actual Chiado) se edificou, a partir de 1279, o convento do Espírito Santo da Pedreira, enquanto Santo Eloy era fundado em 1286, Santa Clara em 1292 e outros Agostinhos, Descalços, fundaram em 1291 o seu convento na Graça. Frades franceses da Ordem da Santíssima Trindade chegados a Lisboa em 1217, por seu lado começaram a erguer o convento em 1283, não longe dos Oratorianos, e foi perto deles que Nun’Álvares, em cumprimento de voto feito em Aljubarrota, logo em 1389 tudo preparou para edificar uma igreja a que seria ligado o convento do Carmo, já habitado oito anos depois. No meio de construções primitivas que ao longo dos séculos receberiam grandes benefícios arquitectónicos, até à inteira reedificacão, a igreja do Carmo constituiu uma excepção, já em pleno gótico que nela teve notável expressão.
São estes os principais núcleos da cidade medieval que, cerca de 1450, teve um primeiro palácio para albergue de embaixadores estrangeiros, os Estaus, no Rossio, forum popular da urbe, mandado construir pelo Infante-regente Pedro, enquanto os Paços reais da Alcáçova, por ordem do rei Dinis, receberam grandes obras, depois continuadas até princípios de Quinhentos, e o Paço-a-par de S. Martinho ou do Limoeiro tinha também grande relevo arquitectural e decorativo. Por outro lado, aldeados os Mouros vencidos na Mouraria, e espalhados pelos arrabaldes, onde continuavam as suas culturas hortícolas, também a colónia judaica foi tendo bairros próprios, a Judiaria Grande, entre a Madalena e as Ruas da Conceição e dos Correeiros actuais, e a Pequena, no sítio actual do Banco de Portugal (e outra, na Alfama), ocupando assim uma parte da Baixa que ia formigando de casario, cortada embora por canais de águas que várias pontes atravessavam. Entretanto, já mencionada em 1294 (e sabe-se que ardeu em 1369 e 73), uma Rua Nova impunha-se no sítio pelo seu esplendor mercantil, paralela à muralha ribeirinha, ao fundo da Baixa. Por outro lado, em 1401, João I fazia urbanizar a zona alta da cidade, na colina do Carmo, e desde 1467 a Câmara podia aforar campos e baldios, seus terrenos, para sempre e não só por três vidas, o que não deixaria de incentivar a construção, com estabelecimentos de parcelares, células do tecido urbano em evolução.

A Cidade Manuelina e Filipina
À entrada do século XVI, Lisboa modificou profundamente a sua estrutura urbana, física e simbolicamente, com a instalação da corte junto ao rio, num novo paço real rapidamente construído para fora da cerca, sobre os armazéns das mercadorias da Mina e da Índia, construção muito baixa, com pouco desenho e pobre, na crítica dum enviado veneziano em 1504, data em que o palácio estava já em considerável adiantamento. O rei Manuel I, no grande e definitivo arranque dos Descobrimentos, depois da viagem da Índia, abandonava o castelo medieval e, folgando de ser presente (Gaspar Correia) no ponto vital do novo comércio, descia ao Tejo de que mais uma vez dependia o destino da sua capital. Um terraço construído depois, abrindo-se sobre o rio, sublinhava essa ligação que alterava a própria vida da cidade, logo ao afeiçoar uma enorme esplanada extramuros num sítio de praia, o Terreiro do Paço, que ia ser centro da vida da corte, complemento do Rossio, na cidade agora polarizada entre as duas praças. Ao mesmo tempo (7 de Agosto de 1500) o rei dava foral novo a Lisboa.
O Paço da Ribeira ia conhecer obras sucessivas, em acrescentos e decorações e, a nascente como a poente, outras instalações da construção e do comércio navais, se multiplicavam, e também casas da corte, à beira-rio, com suas arcadas e galerias, em terrenos que o rei dava aos fidalgos para animar o local seu favorito. Mais adiante, a Ocidente, o rei ergueu ainda o Paço de Santos, sobre casas dum feitor da Índia que lhas cedeu logo em 1501. Para trás do Terreiro do Paço, a Baixa continuava a ser o coração da cidade activa, no dédalo das suas ruas e becos, com o arruamento principal da Rua Nova, e tendo já desde 1466 coberto o caneiro em que se escoavam ainda águas do Tejo, pela Rua dos Ourives do Ouro. Em 1492, um Hospital de Todos-os-Santos, a par do Convento de S. Domingos, no Rossio, com a sua enorme escadaria exterior, sítio de encontro e preguiça, punha na praça uma animação ainda maior.
As três Judiarias, com a expulsão dos seus habitantes por lei de Manuel I, em 1496-98, foram absorvidas pela Baixa (tomando por vezes as suas ruas a designação de Vilas Novas), e o mesmo aconteceu ao bairro da Mouraria. Também esses factos políticos terão provocado remodelação de casas, fenómeno corrente, ao longo da Idade Média como agora, imposto pelo uso das habitações de pedra e madeira. Estas, de três, quatro ou cinco andares, tinham duração limitada e, derruídas, incendiadas ou envelhecidas, eram melhoradas ou aproveitadas de modo pragmático em reconstruções sucessivas, algumas devidas a grandes tremores de terra como os de 1531, de 51 ou de 97, este último, aliás, causador do pavoroso abatimento de parte do monte de Santa Catarina. Na zona oriental da cidade verificava-se também um desenvolvimento urbano, pela Graça e pelas Olarias, e do arrabalde da Sra. do Monte há notícias positivas então, entre lembranças ainda rústicas. Os campos de Santa Clara e de Sant’Ana, freguesias nos anos de 1560, com os seus mosteiros franciscanos, o primeiro medieval, o segundo de meados de Quinhentos, caseavam-se também fora dos muros». In José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais, Instituto Camões, 1980.

Cortesia de ICamões/JDACT