terça-feira, 6 de maio de 2014

Os Livros de Linhagens. Alfarrábio da Universidade do Minho. «E os outros nom casam como deuem, e casam me pecado porque nom sabem o linhagem. [...] de muitos mosteiros, e de muitas igreias, e de muitos coutos, e de muitas honras, e de muitas terras, que o perdem a mingoa de saber de que linhagem uem»

Cortesia de susanasantosgoncalves

«Os Livros de Linhagens, a que no século XVI se deu também o nome de Nobiliários, são quatro obras escritas durante a Idade Média onde se descreve a genealogia das principais famílias nobres no reino. O primeiro, também chamado Livro Velho e o quarto, conhecido como Nobiliário do Conde Pedro de Barcelos, estão completos. Dos restantes chegaram até nós apenas fragmentos (Segundo de Linhagens, ou Segundo Livro Velho, e Terceiro Livro de Linhagens, ou Nobiliário da Ajuda). O Livro do Conde Pedro de Barcelos é o mais desenvolvido dos quatro, tendo o autor pretendido apresentar um resumo da história universal. Pedro, conde de Barcelos, era filho natural do rei Dinis I e bisneto de Afonso X. Os Livros de Linhagens foram publicados no século XIX por Alexandre Herculano nos Portugaliae Monumenta Historica, volume dedicado aos Scriptores». In Projecto Vercial

Livro Velho ou Primeiro livro de linhagens
Começo do livro velho
«Em nome de Deos Amen. Por saberem os homens fidalgos de Portugal de qual linhagem uem, e de quaes coutos, honras, mosteiros, e igreias som naturaes, e per saberem como som parentes fazemos escreuer este liuro uerdadeiramente dos linhagens daqueles que som naturaes e moradores no reino de Portugal estremadamente. E deste liuro se pode seguir muita prol e arredar muito danno: ca muitos uem de bom linhagem e nom o sabem elles, nem o sabem os reis, nem o sabem os grandes homens: ca se o soubessem em alguma maneira lhes uiria ende bem, em algüa maneira, dos senhores. E os outros nom casam como deuem, e casam me pecado porque nom sabem o linhagem. E muitos som naturaes e padroeiros de muitos mosteiros, e de muitas igreias, e de muitos coutos, e de muitas honras, e de muitas terras, que o perdem a mingoa de saber de que linhagem uem: e outros se fazem naturaes de muitos lugares onde o nom som: porque des o tempo delrey D. Affonso o que ganhou Toledo aca forom feitos os mais dos mosteiros, e igreias, e dos coutos, e das honras. Que em tempa deste rey que reinou longamente forom muitos ricos homens, e infançoens que ora poremos por padroens onde descendem os filhos d'algo. Em tempo deste rey foi D. Egas Gomes de Sousa, D. Gonçalo Trastamires da Maya, e D. Mendo Alão de Bragança, e D. Egas Gozendes de Riba do Douro, E D. Moninho Veegas de Riba do Douro, e D. Pedro Tracosendes de Panha de Riba do Douro, e D. Suer Guedez o da Varsea, e D. Fafes Serraciis de Lanhoso, e D . Egas Paes do Boiro de Penagate, E D. Guterre Alderete da Sylua, e D. Pay Guterres de Cunhaens, e D. Vasco Nunes de Baruens, e D. Rodrigo Froiaz de Trastamara que casou em f'ortugal, e D. Vermuim Paes que casou em Portugal; e o conde D. Nuno de Cellanoua que casou, e Ayres Carpinteiro donde uem os Ramyrãos, e Pay Reymondo donde uem os Correãos, e D. Ayras Nunes donde uem os de Valladares, e outros muitos. In Portugaliae Monumenta Historica, Scriptores.

Segundo livro de linhagens
Lenda de Gaia
«Este he o linhagem dos mui nobres e muy honrados ricos-homens, e filhos-dalgo da Maya, em como elles vem direitamente do muito alto e mui nobre rey D. Ramiro; e este rey D. Ramiro seve casado com huma rainha, e fege nella rey D. Ordonho; e pois lha filhou rey Abencadão que era mouro, e foilha filhar em Salvaterra no logo que chamão Myer: entom era rey Ramiro nas Asturias: e quando Abencadão tornou adusea para Gaya, que era seu castello, e quando veo rey Ramiro não achou a sa molher e pesoulhe ende muito, e enviou por seu filho D. Ordonho e por seus vassallos, e fretou saas naves, e meteuce em ellas, e veyo aportar a Sanhoane da Furada; e pois que a nave entrou pela foz cobrioa de panos verdes, em tal guiza que cuidassem que erão ramos, ca entonce Douro era cuberto de huma parte e da outra darvores; e esse rey Ramiro vestiosse em panos de veleto, e levou consigo sa espada, e seu corno, e falou com seu filho e com os seus vassalos que quando ouvissem o seu corno que todos lhe acorressem, e que todos jovecem pela ribeira per antre as arvores, fora poucos que ficassem na nave para mantela, e el foice estar a huma fonte que estava perto do castello; e Abencadão era fora do castello, e fora correr seu monte contra Alfão; e huma donzella que servia a rainha levantouce pela menhã que lhe fosse pela agoa para as mãos; e aquella donzella havia nome Ortiga; e ella na fonte achou iazendo rey Ramiro, e nom o conheceo, e el pediolhe dagoa pela aravia e ella deulha por hum autre, e el meteo hum camafeo na boca, o qual camafeo havia partido eom sa molher a rainha pela meadade; el deuse a beber, e deitou o anel no autre, e a donzella foice, e deo agoa a rainha, e cahio-lhe o anel na mão, e conheceoo ela logo: a rainha perguntou quem achara na fonte: ella respondeu que não era hi ninguem: ella dice que mentia, e que lhe nom negace, ca lhe faria por ende bem, e merce; e a donzela lhe disse entom que achara hum mouro doente e lazarado, e que lhe pedira d'agoa que bebece, e ella que lha dera; e entonce lhe disse a rainha que lhe fosse por el, e se hi o achasse que lho adusese. A donzela foi por el, e dicelhe ca lhe mandava dizer a rainha que fosse a ella; e entonces rey Ramiro foise com ella; e el entrando pela porta do paço conheceo-o a rainha, e dicelhe – «Rey Ramiro quem te aduse aqui?» In Livros de Linhagens, Projecto Vercial, Portugaliae Monumenta Historica, volume dedicado aos Scriptores, Alfarrábio da Universidade do Minho, 1996-2013, Wikipédia.

Cortesia de P.Vercial/JDACT