terça-feira, 6 de maio de 2014

De como Identifiquei o Tratado de Confissom. Chaves 8. VIII. 1489. José Pina Martins. «Não é que a Democracia seja incompatível, antes pelo contrário, com a cultura antiga e moderna. “Mas nem sempre os homens que se dizem democráticos o são verdadeiramente”.

Cortesia de wikipedia

«(…) Uns meses depois o cimélio foi declarado de interesse e arrolado. O jovem que identificara o livro ficou, naturalmente, de lado. Jorge Peixoto que, desde a primeira hora, manifestara a sua concordância, veio visitar-me para me dizer que, não conhecendo bem a obra, se sentia mortificado por ser chamado a participar num tal acto. Tranquilizei-o: pour être heureux, vivre cache. Era natural que fossem chamados ao Ministério os representantes da ciência bibliográfica oficial. O artigo de 25 de Maio desencadeou, portanto, um debate e provocou uma certa efervescência em meios cultos. Na Universidade os reflexos foram diversos e graduados. Os professores mais preparados como Virgínia Rau e Lindley Cintra manifestaram logo um grande interesse pelo achado. A historiadora, que não simpatizava muito comigo, não sei se pelas minhas relações com a cultura estrangeira, se por eu não ser da sua escola nem seguir muito as suas directrizes de história económica, convidou-me a orientar um seminário no seu departamento. Lindley Cintra desejou colaborar, com Virgínia Rau, com o padre Mário Martins e comigo, num estudo a quatro acerca do cimélio (estudo que nunca foi possível levar a bom termo):
  • Virgínia Rau estudaria aspectos do contexto histórico em que aparecera o livro;
  • Lindley Cintra, grande filólogo, ocupar-se-ia dos lados linguísticos;
  • Mário Martins da parte casuística;
  • eu, do tema bibliográfico.
Sendo, dos quatro, o menos competente, mas porventura o mais diligente, foi-me forçoso estudar sozinho todos esses aspectos na edição publicada em 1973, como primeiro livro de uma colecção, os Portugaliae Monumenta Typographica, que a Imprensa Nacional se comprometeu a editar e os acontecimentos de 1974-1975, estabelecendo, com alguma confusão, um regime democrático em Portugal, prejudicaram. Não é que a Democracia seja incompatível, antes pelo contrário, com a cultura antiga e moderna. Mas nem sempre os homens que se dizem democráticos o são verdadeiramente. Uma tal colecção, parecendo a alguns espíritos modernos e abertos surgida de uma concepção elitista da vida intelectual, estava naturalmente condenada, em período de confusão, a desaparecer. Felizmente o Tratado de Confissom foi editado e teve mesmo a honra de ser discutido na Sorbonne, em Paris, perante um júri presidido por um sábio de prestígio mundial, Marcel Bataillon.
O artigo de 25 de Maio de 1965 teve eco nalguns países europeus: na Alemanha, na Bélgica, na Itália, na própria Inglaterra. Em Roma, L’Osservatore Romano consagrou-lhe um artigo. Os técnicos do Gesamtkatalog de Berlim pediram-me esclarecimentos e vieram a reconhecer como boas as minhas razões. Talvez valha a pena evocar, ainda, outros comentários. Em fins de Maio ou inícios de Junho de 1965 os professores universitários que participaram num congresso luso-brasileiro de cultura, que tinha sido presidido por Marcelo Caetano, encontraram-se com ele num jantar, que teve lugar num restaurante de Lisboa. Era, no espírito de todos, uma homenagem ao presidente que, fora de toda a política e só atento ao prestígio da ciência e da cultura, conduzira com dignidade a representação portuguesa. Lembro-me só de alguns nomes, entre os participantes: além de Marcelo Caetano, Manuel Lopes Almeida, Mário Tavares Chicó, Joaquim Veríssimo Serrão, Maria de Lourdes Belchior e outros». In José Pina Martins, De como Identifiquei o Tratado de Confissom, Chaves 8. VIII, 1489, Revista ICALP, vol. 15, 1989.

Cortesia de ICALP/JDACT